Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de setembro 2005


30 de Setembro de 2005

Quando

Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir Que me extravio às vezes ao sair Das próprias sensações que eu recebo. O ar que respiro, este licor que bebo, Pertencem ao meu modo de existir, E eu nunca sei como hei de concluir As sensações que a meu pesar concebo. Nem nunca, propriamente reparei, Se na verdade sinto o que sinto.Eu Serei tal qual pareço em mim?Serei Tal qual me julgo verdadeiramente? Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, Nem sei bem se sou eu quem em mim sente. Álvaro de Campos


30 de Setembro de 2005

Beccafumi

Beccafumi_-_Tete.JPG


30 de Setembro de 2005

Siren song

This is the one song everyone would like to learn: the song that is irresistible: the song that forces men to leap overboard in squadrons even though they see the beached skulls the song nobody knows because anyone who has heard it is dead, and the others can't remember. Shall I tell you the secret and if I do, will you get me out of this bird suit? I don'y enjoy it here squatting on this island looking picturesque and mythical with these two faethery maniacs, I don't enjoy singing this trio, fatal and valuable. I will tell the secret to you, to you, only to you. Come closer.This song is a cry for help: Help me! Only you, only you can, you are unique at last.Alas it is a boring song but it works every time. Margaret Atwood


29 de Setembro de 2005

Almada Negreiros

almada2.jpg


29 de Setembro de 2005

1000

Mil entradas no modus, desde que se mudou de armas e bagagens para o weblog; escolha de textos, às vezes com títulos que são, por si mesmos, uma chave de leitura pessoal, procura de imagens, alguns (cada vez menos, que a vida bem vivida não carece de expurgo literário...) textos intimistas, diarísticos - inconfidentes até, como temia alguém com boas razões para tal, in illo tempore. Assim tem sido urdida a tessitura deste espaço. Mil partilhas de gosto, em dez meses... o tempo a correr sempre.


29 de Setembro de 2005

Almada Negreiros

almadaneg.jpg


29 de Setembro de 2005

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo, E eu, a minha alma, terei o meu dia? Quando é que despertarei de estar acordado? Não sei. O sol brilha alto, Impossível de fitar. As estrelas pestanejam frio, Impossíveis de contar. O coração pulsa alheio, Impossível de escutar. Quando é que passará este drama sem teatro, Ou este teatro sem drama, E recolherei a casa? Onde? Como? Quando? Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo? É esse! É esse! Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei; E então será dia. Sorri, dormindo, minha alma! Sorri, minha alma, será dia ! Álvaro de Campos


28 de Setembro de 2005

<em>In futurum</em>

Enquanto ela falava para nós na sua tranquila voz de contralto, era evidente nos seus olhares, ou em algumas hesitações verificadas na conversação de ambos... bem, como havemos de chamar a este sentimento mútuo? - aquela sensação de estar desperto para outra pessoa, que surge sem aviso, sem ser procurada, e se expressa pela ideia de um futuro? Porque, se pensarmos bem, vivemos sobretudo pelo hábito, à espera, sustentados por prazeres temporários, pela curiosidade ou por desesperada energias difusas, como a malícia, mas não por essa confortante ideia de futuro, que só surge poderosamente nesse secreto estado de animação, que todos podemos sentir (...). E. L. Doctorow, in Estação das Águas, ed. Planeta.


28 de Setembro de 2005

Artemisia Gentileschi

artemisia gentileschi.jpg


28 de Setembro de 2005

Cet amour

Cet amour Si violent Si fragile Si tendre Si désespéré Cet amour Beau comme le jour Et mauvais comme le temps Quand le temps est mauvais Cet amour si vrai Cet amour si beau Si heureux Si joyeux Et si dérisoire Tremblant de peur comme un enfant dans le noir Et si sûr de lui Comme un homme tranquille au milieu de la nuit Cet amour qui faisait peur aux autres Qui les faisait parler Qui les faisait blémir Cet amour guetté Parce que nous le guettions Traqué blessé piétiné achevé nié oublié Parce que nous l'avons traqué blessé piétiné achevé nié oublié Cet amour tout entier Si vivant encore Et tout ensoleillé C'est le tien C'est le mien Celui qui a été Cette chose toujours nouvelles Et qui n'a pas changé Aussi vraie qu'une plante Aussi tremblante qu'un oiseau Aussi chaude aussi vivante que l'été Nous pouvons tous les deux Aller et revenir Nous pouvons oublier Et puis nous rendormir Nous réveiller souffrir vieillir Nous endormir encore Rêver à la mort Nous éveiller sourire et rire Et rajeunir Notre amour reste là Têtu comme une bourrique Vivant comme le désir Cruel comme la mémoire Bête comme les regrets Tendre comme le souvenir Froid comme le marbre Beau comme le jour Fragile comme un enfant Il nous regarde en souriant Et il nous parle sans rien dire Et moi j'écoute en tremblant Et je crie Je crie pour toi Je crie pour moi Je te supplie Pour toi pour moi et pour tous ceux qui s'aiment Et qui se sont aimés Oui je lui crie Pour toi pour moi et pour tous les autres Que je ne connais pas Reste là Là où tu es Là où tu étais autrefois Reste là Ne bouge pas Ne t'en va pas Nous qui sommes aimés Nous t'avons oublié Toi ne nous oublie pas Nous n'avions que toi sur la terre Ne nous laisse pas devenir froids Beaucoup plus loin toujours Et n'importe où Donne-nous signe de vie Beaucoup plus tard au coin d'un bois Dans la forêt de la mémoire Surgis soudain Tends-nous la main Et sauve-nous. Jacques Prévert, in Paroles.


28 de Setembro de 2005

The hill

Breathless, we flung us on the windy hill, Laughed in the sun, and kissed the lovely grass. You said "Through glory and ecstasy we pass; Wind, sun, and earth remain, and birds sing still, When we are old, are old...." "And when we die All's over that is ours; and life burns on Through other lovers, other lips" said I, "Heart of my heart, our heaven is now, is won!" "We are Earth's best, that learnt her lesson here. Life is our cry. We have kept the faith!" we said; "We shall go down with unreluctant tread Rose-crowned into the darkness!".... Proud we were, And laughed, that had such brave true things to say. —And then you suddenly cried, and turned away. Rupert Brooke


27 de Setembro de 2005

Beccafumi

beccafumi.jpg


27 de Setembro de 2005

Mortal doença

Na febre do amor-próprio estou ardendo, No frio da tibieza tiritando, No fastio ao bem desfalecendo, Na sezão do meu mal delirando, Na fraqueza do ser, vou falecendo, Na inchação da soberba arrebentado, Já morro, já feneço, já termino, Vão-me chamar o Médico Divino. Na dureza do peito atormentada, Na sede dos alívios consumida, No sono da preguiça amadornada, No desmaio à razão amortecida, Nos temores da morte trespassada, No soluço do pranto esmorecida, Já morro, já feneço, já termino, Vão-me chamar o Médico Divino. Na dor de ver-me assim, vou desfazendo, Nos sintomas do mal descoroçoando, Na sezão de meu dano estou tremendo No ris como da doença imaginando, No fervor de querer-me enardecendo, Na tristeza de ver-me sufocando, Já morro, já feneço, já termino, Vão-me chamar o Médico Divino. Vou ao pasmo do mal emudecendo, À sombra da vontade vou cegando, Aos gritos do delito emouquecendo, No tempo sobre tempo caducando, Nos erros do caminho entorpecendo, Na maligna da culpa agonizando, Já morro, já feneço, já termino, Vão-me chamar o Médico Divino. Soror Maria do Céu


27 de Setembro de 2005

Como um eco

Não tinhas nome. Existias como um eco do silêncio. Eras talvez uma pergunta do vento. Albano Martins


27 de Setembro de 2005

Déjà vu

Tivera consciência do seu poder sobre Byrne, e isso divertira-o intimamente durante algum tempo, o amor é sempre um jogo de poder, em que os fortes não dominam necessariamente os fracos, e naquele caso o mais fraco vencera de uma maneira muito simples, indo embora. Ana Teresa Pereira, in Intimações de morte, ed. Relógio D'Água.


27 de Setembro de 2005

Savoldo

sala3_savoldo.jpg


27 de Setembro de 2005

Love

Love bade me welcome; yet my soul drew back, Guilty of dust and sin. But quick-eyed Love, observing me grow slack From my first entrance in, Drew nearer to me, sweetly questioning If I lacked anything. "A guest," I answered "worthy to be here"; Love said "You shall be he." "I, the unkind, ungrateful? Ah, my dear, I cannot look on Thee." Love took my hand, and smiling did reply "Who made the eyes but I?" "Truth, Lord; but I have marred them: let my shame Go where it doth deserve." "And know you not," says Love "who bore the blame?" "My dear, then I will serve." "You must sit down," says Love "and taste my meat." So I did sit and eat. George Herbert


26 de Setembro de 2005

Da imprevisibilidade

Nessa noite custou-lhe a adormecer, ficou de olhos abertos muito tempo, a olhar para o tecto, enquanto ouvia a respiração compassada dela ao seu lado. Sentia-se um pouco perdido, era algo que não estava nos seus planos, era inesperado como o facto de ela ter aparecido na sua vida, quando já não tinha esperança, quando tudo parecia ter terminado. Ana Teresa Pereira, in Intimações de morte, ed. Relógio D'Água.


26 de Setembro de 2005

Sofonisba Anguissola

anguissola1_big.jpg


26 de Setembro de 2005

An american prayer

Do you know the warm progress under the stars? Do you know we exist? Have you forgotten the keys to the Kingdom? Have you been borne yet & are you alive? Let's reinvent the gods, all the myths of the ages Celebrate symbols from deep elder forests [Have you forgotten the lessons of the ancient war] We need great golden copulations The fathers are cackling in trees of the forest Our mother is dead in the sea Do you know we are being led to slaughters by placid admirals & that fat slow generals are getting obscene on young blood Do you know we are ruled by T.V. The moon is a dry blood beast Guerilla bands are rolling numbers in the next block of green vine Amassing for warfare on innocent herdsmen who are just dying O great creator of being grant us one more hour to perform our art & perfect our lives The moths & atheists are doubly divine & dying We live, we die & death not ends it Journey we more into the Nightmare Cling to life our passion'd flower Cling to cunts & cocks of despair We got our final vision by clap Columbus' groin got filled w/ green death (I touched her thigh & death smiled) We have assembled inside this ancient & insane theatre To propagate our lust for life & flee the swarming wisdom of the streets The barns are stormed The windows kept & only one of all the rest To dance & save us W/ the divine mockery of words Music inflames temperament (When the true King's murderers are allowed to roam free a 1000 magicians arise in the land) Where are the feasts We were promised Where is the wine The New Wine (dying on the vine) Resident mockery give us an hour for magic We of the purple glove We of the starling flight & velvet hour We of arabic pleasure's breed We of sundome & the night Give us a creed To believe A night of Lust Give us trust in The Night Give of color Hundred hues A rich Mandala For me & you & for your silky pillowed house A head, wisdom & a bed Troubled decree Resident mockery Has claimed thee We used to believe in the good old days We still receive In little ways The Things of Kindness & unsporting brow Forget & allow Did you know freedom exists in a school book Did you know madmen are running our prison W/in a jail, w/in a gaol, w/in a white free protestant Maelstrom We're perched headlong On the edge of boredom We're reaching for death On the end of a candle We're trying for something That's already found us We can invent Kingdoms of our own Grand purple thrones, those chairs of lust & love we must, in beds of rust Steel doors lock in prisoner's screams & muzak, AM, rocks their dreams No black men's pride to hoist the beams While mocking angels sift what seems To be a collage of magazine dust Scratched on foreheads of walls of trust This is just jail for those who must Get up in the morning & fight for such unusable standards While weeping maidens show-off penury & pout ravings for a mad staff Wow, I'm sick of doubt Live in the light of certain South Cruel bindings The servants have the power dog-men & their mean women Pulling poor blankets over our sailors (& where were you in our lean hour) Milking your moustache? Or grinding a flower? I'm sick of dour faces Staring at me from the T.V. Tower. I want roses in my garden bower; dig? Royal babies, rubies must now replace aborted Strangers in the mud These mutants, blood-meal For the plant that's plowed They are waiting to take us into the severed garden Do you know how pale & wanton thrillful Comes death on strange hour Unannounced, unplanned for like a scaring over-friendly guest you've brought to bed Death makes angels of us all & gives us wings where we had shoulders smooth as raven's claws No more money, no more fancy dress This other Kingdom seems by far the best until its other jaw reveals incest & loose obedience to a vegetable law I will not go Prefer a Feast of Friends To the Giant family Jim Morrison


26 de Setembro de 2005

Definição (sete mil e duzentas horas mais tarde)

- O amor é exactamente aquilo que disseres que é. Não apenas um conceito, uma ideia, mas o que sentires na carne, no sangue, na alma e na razão.


25 de Setembro de 2005

Gaulli

gaulli_giovanni_fi.jpg


25 de Setembro de 2005

Cadência

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço em que de penetrar-te me senti perdido no ter-te para sempre - Quanto de ter-te me possui em tudo o que deseje ou veja não pensando em ti no abraço a que me entrego - Quanto de entrega é como um rosto aberto, sem olhos e sem boca, só expressão dorida de quem é como a morte - Quanto de morte recebi de ti, na pura perda de possuir-te em vão de amor que nos traiu - Quanta traição existe em possuir-se a gente sem conhecer que o corpo não conhece mais que o sentir-se noutro - Quanto sentir-te e me sentires não foi senão o encontro eterno que nenhuma imagem jamais separará - Quanto de separados viveremos noutros esse momento que nos mata para quem não nos seja e só - Quanto de solidão é este estar-se em tudo como na ausência indestrutível que nos faz ser um no outro - Quanto de ser-se ou se não ser o outro é para sempre a única certeza que nos confina em vida - Quanto de vida consumimos pura no horror e na miséria de, possuindo, sermos a terra que outros pisam - Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti, recebo gratamente como se recebe não a morte ou a vida, mas a descoberta de nada haver onde um de nós não esteja. Jorge de Sena, in Sinais de fogo, ed. Público.


25 de Setembro de 2005

Do risco

Ne me quitte pas Il faut oublier Tout peut s'oublier Qui s'enfuit déjà Oublier le temps Des malentendus Et le temps perdu A savoir comment Oublier ces heures Qui tuaient parfois A coups de pourquoi Le cœur du bonheur Ne me quitte pas Ne me quitte pas Moi je t'offrirai Des perles de pluie Venues de pays Où il ne pleut pas Je creuserai la terre Jusqu'après ma mort Pour couvrir ton corps D'or et de lumière Je ferai un domaine Où l'amour sera roi Où l'amour sera loi Où tu seras reine Ne me quitte pas Ne me quitte pas Ne me quitte pas Je t'inventerai Des mots insensés Que tu comprendras Je te parlerai De ces amants-là Qui ont vu deux fois Leurs cœurs s'embraser Je te raconterai L'histoire de ce roi Mort de n'avoir pas Pu te rencontrer Ne me quitte pas Ne me quitte pas On a vu souvent Rejaillir le feu D'un ancien volcan Qu'on croyait trop vieux Il est paraît-il Des terres brûlées Donnant plus de blé Qu'un meilleur avril Et quand vient le soir Pour qu'un ciel flamboie Le rouge et le noir Ne s'épousent-ils pas Ne me quitte pas Ne me quitte pas Ne me quitte pas Je ne vais plus pleurer Je ne vais plus parler Je me cacherai là A te regarder Danser et sourire Et à t'écouter Chanter et puis rire Laisse-moi devenir L'ombre de ton ombre L'ombre de ta main L'ombre de ton chien Ne me quitte pas Ne me quitte pas. Jacques Brel


25 de Setembro de 2005

Almada Negreiros

acrobatas.jpg


25 de Setembro de 2005

Poema

(gentileza de Zeferino) La plaza tiene una torre, La torre tiene un balcón, el balcón tiene una dama, la dama una blanca flor. Ha pasado un caballero -quién sabe por qué pasó! -, y se ha llevado la plaza con su torre y su balcón, con su balcón y su dama, su dama y su blanca flor. António Machado


24 de Setembro de 2005

Geertgen

geertgen1.jpg


24 de Setembro de 2005

O percurso e o périplo

Também eu naveguei, fiz o percurso e o périplo das índias naufragadas. Das essências, a parte que me coube a dissipei em lume de esmeraldas e de escamas. Toda a aventura humana é gume de água, lâmpada febril. Albano Martins


22 de Setembro de 2005

Ilusão de óptica

Ele, se ainda um dia fosse rico, gostaria de ter várias casas, e de ser uma pessoa diferente em cada uma. Teria assim tantas vidas quantas as casas que tivesse. Jorge de Sena, in Sinais de fogo, ed. Público.


22 de Setembro de 2005

Homenagem a Bashô 2

(ontem) Um mar azul pintou de branco o voo das gaivotas. Albano Martins


22 de Setembro de 2005

sibilla-cumana.jpg


22 de Setembro de 2005

Homenagem a Bashô

Efémero é o relâmpago, mas faz da noite uma aurora. Albano Martins


21 de Setembro de 2005

Equinócio

A verdade emerge do tempo, da sucessão de solstícios e equinócios sentido na pele, das luas que partilhamos vendo as fases que se passeiam na janela do quarto virado a sul. Um ano, quase. Uma vida nova, cheia, difícil às vezes, plena sempre. Uma vida resgatada à secura que parecia final, à usura da mera representação do inexistente. O nome finalmente encontrado. Obrigada, Paulo. Pelas palavras e pelos gestos. Pelo chamamento inicial, pela solidariedade permanente, pela lealdade. Por seres quem e como és.


21 de Setembro de 2005

angelo-raffaello.jpg


21 de Setembro de 2005

As palavras em trânsito

Os aros de saturno É meu o horóscopo, são meus os signos constelados, esta âncora suspensa dos lábios divididos. Deixo esta herança apenas estas asas implumes e um painel com os aros de Saturno. Sob a dura pedra do sol medram os eclipses. Albano Martins


20 de Setembro de 2005

Francesca Marini

Francesca Marini Serra.jpg


20 de Setembro de 2005

Perplexidades

Ser chamado a mudar (de olhar, de atitude) por mero efeito de estar vivo é a simples normalidade. Contudo, há mudanças que são evolutivas, envolvem superação de limitações (às vezes, de meros preconceitos que tolhem o movimento natural sob a aparência securitária das best practices), e outras que, perturbadoras e desnecessárias, acabam por gerar a nostalgia de um tempo outro, marcado pela protecção que (relativa embora) compunha a face conhecida de um quotidiano definido. Mudar de perspectiva acerca da própria vida (em si e para os outros) não é fácil, cria algumas perplexidades, levanta questões. As respostas nunca são imediatas.


20 de Setembro de 2005

Da escrita luminosa

Acendi um cigarro. Onde iria jantar? Não me apetecia comer. Apetecia-me fugir. Para onde e porquê? E, de repente, ouvi dentro da minha cabeça uma frase: «Sinais de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas frias». Olhei em volta. De onde viera aquilo? Quem me dissera aquilo? Que sentido tinha aquela frase? Tentei repeti-la para mim mesmo: «Sinais de fogo...». Mas esquecera-me do resto. Com esforço, reconstituía a sequência: «Sinais de fogo os homens se despedem, exaustos e espantados, quando a noite da morte desce fria sobre o mar». (...) Era absurdo. Eu fazendo versos? Porquê? Amarrotei o papel e deitei-o fora. Mal amarrotado, ele foi descendo num voo balanceante, até que pousou numa rocha. Aí, vacilou, aquietou-se, e, numa reviravolta súbita, deixou-se cair para o meio das pedras e sumiu. Era quase noite escura. Voltei para a cidade. Jorge de Sena, in Sinais de fogo, ed. Público.


20 de Setembro de 2005

Gaulli

AUTORITRATTOdi GiovanBattistaGaulli.jpg


20 de Setembro de 2005

Estado

Estou Estou tonto, Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar, Ou de ambas as coisas. O que sei é que estou tonto E não sei bem se me devo levantar da cadeira Ou como me levantar dela. Fiquemos nisto: estou tonto. Afinal Que vida fiz eu da vida? Nada. Tudo interstícios, Tudo aproximações, Tudo função do irregular e do absurdo, Tudo nada. É por isso que estou tonto ... Agora Todas as manhãs me levanto Tonto ... Sim, verdadeiramente tonto... Sem saber em mim e meu nome, Sem saber onde estou, Sem saber o que fui, Sem saber nada. Mas se isto é assim, é assim. Deixo-me estar na cadeira, Estou tonto. Bem, estou tonto. Fico sentado E tonto, Sim, tonto, Tonto... Tonto. Álvaro de Campos


19 de Setembro de 2005

The aim was song

Before man to blow to right The wind once blew itself untaught, And did its loudest day and night In any rough place where it caught. Man came to tell it what was wrong: It hadn't found the place to blow; It blew too hard -- the aim was song. And listen -- how it ought to go! He took a little in his mouth, And held it long enough for north To be converted into south, And then by measure blew it forth. By measure. It was word and note, The wind the wind had meant to be -- A little through the lips and throat. The aim was song -- the wind could see. Robert Frost


19 de Setembro de 2005

Antonello da Messina

Antonello da Messina.jpg


19 de Setembro de 2005

Palavras

Nenhum ramo é seguro. Frágeis são as palavras. Albano Martins, in O Mesmo Nome, ed. Campo das Letras.


18 de Setembro de 2005

Interview

Now this here rag is the one they used to call the lost rag. Sort of thing everybody knew and nobody ever bothered to write down. It was just a few licks, something you'd sit and play by yourself, when there was nobody else around.Maybe it was some old man showed you how to play it, a long time ago.You turn off that machine, I'm going to play it for you now.I said turn it off. Jared Carter


18 de Setembro de 2005

bustino.gif


18 de Setembro de 2005

Amor Vincit Omnia

Love is no more. It died as the mind dies: the pure desire Relinquishing the blissful form it wore, The ample joy and clarity expire. Regret is vain. Then do not grieve for what you would efface, The sudden failure of the past, the pain Of its unwilling change, and the disgrace. Leave innocence, And modify your nature by the grief Which poses to the will indifference That no desire is permanent in sense. Take leave of me. What recompense, or pity, or deceit Can cure, or what assumed serenity Conceal the mortal loss which we repeat? The mind will change, and change shall be relief. Edgar Bowers


18 de Setembro de 2005

Contradições

A uma ausência Sinto-me, sem sentir, todo abrasado No rigoroso fogo que me alenta; O mal, que me consome, me sustenta; O bem, que me entretém, me dá cuidado. Ando sem me mover, falo calado; O que mais perto vejo, se me ausenta, E o que estou sem ver, mais me atormenta; Alegro-me de ver-me atormentado. Choro no mesmo ponto em que me rio; No mor risco me anima a confiança; Do que menos se espera estou mais certo. Mas se de confiado desconfio, É porque, entre os receios da mudança, Ando perdido em mim como em deserto. António Barbosa Bacelar


18 de Setembro de 2005

Gaulli

Gaulli.jpg


17 de Setembro de 2005

Da busca

Reservo-me o domingo para a busca receosa e teimosa da alegria. Meu coração devia ser alegre como um pássaro novo, meu coração devia ser alegre como o vinho ou o fogo No entanto, onde está a alegria? onde estão as sementes da alegria? onde vive a alegria? No entanto, pergunto às coisas e às gentes de domingo onde está a alegria. Mesmo que a não encontre destino-lhe o domingo, este e outros domingos, este sol e outros ventos, este mar e outras ruas, estas mãos e estes olhos. Assim acho razão para não estar triste. António Rebordão Navarro


17 de Setembro de 2005

Legenda (des)necessária

A coluna da direita no template do modus foi modificada, em acto de pura e simples obediência ao motto do blogue: tornar-se quem se é também passa por apoiar as causas em que se acredita. Das várias que parecem fundamentais para garantir um aprofundamento da cidadania num verdadeiro Estado de direito realmente democrático, destaco duas: a necessidade urgente de igualdade para todas as pessoas em sede dos direitos civis (como é o direito de celebrar casamento), independentemente da sua orientação sexual, e a despenalização do aborto (cuja criminalização configura uma forma óbvia e brutal de violência contra as mulheres). Aí estão os logos para lembrar.


16 de Setembro de 2005

Reluctance

Out through the fields and the woods And over the walls I have wended; I have climbed the hills of view And looked at the world, and descended; I have come by the highway home, And lo, it is ended. The leaves are all dead on the group, Save those that the oak is keeping To ravel them one by one And let them go scraping and creeping Out over the crusted snow, When others are sleeping. And the dead leaves lie huddled and still, No longer blown hither and thither; The last long aster is gone; The flowers of the witch-hazel wither; The heart is still aching to seek, But the feel question 'Whither?' Ah, when to the heart of man Was it ever less than a treason To go with the drift of things, To yield with a grace to reason, And bow and accept the end Of a love or a season? Robert Frost


16 de Setembro de 2005

Savoldo

27.jpgsavoldo.jpg


16 de Setembro de 2005

Partida

Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que eu nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Manuel Bandeira


15 de Setembro de 2005

Ingres

Ingres Woman Bathing 1807-thumb.jpg


15 de Setembro de 2005

Luz de Setembro

A luz de Setembro já não besoura aloura os corpos mergulham no oceano espalhando gotas de metal Vozes chegam no arrastar das ondas o amarelo ensopa-se de azul Mergulhemos sem pressa marcando álacres os passos o mar apaga marca as passadas apaga O sol é pouco morre vermelho sobre os dedos das amendoeiras Sustém a cabeça nas ondas bebe a luz e os corpos António Borges Coelho


15 de Setembro de 2005

In memoriam

Inferno: Canto I Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura ché la diritta via era smarrita. Ahi quanto a dir qual era è cosa dura esta selva selvaggia e aspra e forte che nel pensier rinova la paura! Tant'è amara che poco è più morte; ma per trattar del ben ch'i' vi trovai, dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte. Io non so ben ridir com'i' v'intrai, tant'era pien di sonno a quel punto che la verace via abbandonai. Dante Alighieri


15 de Setembro de 2005

Long years

Long Years apart — can make no Breach a second cannot fill — The absence of the Witch does not Invalidate the spell — The embers of a Thousand Years Uncovered by the Hand That fondled them when they were Fire Will stir and understand — Emily Dickinson


15 de Setembro de 2005

Ingres

ingres_jup0.jpg


15 de Setembro de 2005

Cão deitado ao longe*

A voz oracular não conhece silêncio no negrume da memória: "És a pior inimiga de ti própria". E a vida, obsequiosa, a dar-lhe razão em horas de recorrente desespero. *designação que se dá ao cão que apanha raiva. Os cães com raiva começavam por se ir deitar longe de casa e geralmente nunca mais voltavam. Do pão que vai à mesa no dia de Natal, retira-se um bocado que irá à mesa todos os dias até ao Ano Novo e que depois se dará aos cães para que não se vão deitar ao longe. Eduardo Brazão Gonçalves, in Dicionário do falar algarvio, ed. Algarve em foco.


13 de Setembro de 2005

Savoldo

Savoldo.jpg


13 de Setembro de 2005

A volta

Tão só em prosseguir busquei sentido e o caminho é sem regresso a quem caminha por nenhum instinto além reconhecido. Espaço meu ou de loucura, era sozinha. Vinha de não sei onde, lar perdido de mim mesma, ou infância. Vinha quando apenas vi que recobrara o ido antigo estar em tal estância, minha. E tudo que abandonei, a que deu termo muda solidão pairando em grito ermo, largo deserto visto em falso medo, tudo que abandonei, faz companhia. Enquanto, indo, um ocaso brando me assistia eis que amanheço em mim, volto a ser cedo! Maria Ângela Alvim


13 de Setembro de 2005

Da espera

Saber esperar é tido como uma virtude. Mas ao esperar por demasiado tempo corre-se o risco de esquecer a própria razão da expectativa.


12 de Setembro de 2005

Savoldo

magdalene.jpgsavoldo.jpg


12 de Setembro de 2005

Perguntas (sem resposta, sempre)

Mãos feridas na porta dum silêncio Vida que às costas me levas porque não dás um corpo às tuas trevas? Porque não dás um som àquela voz que quer rasgar o teu silêncio em nós? Porque não dás à pálpebra que pede aquele olhar que em ti se perde? Porque não dás vestidos à nudez que só tu vês? Natália Correia


12 de Setembro de 2005

Almada Negreiros

negreiros_namoro.jpg


12 de Setembro de 2005

since feeling is first...

since feeling is first who pays any attention to the syntax of things will never wholly kiss you; wholly to be a fool while Spring is in the world my blood approves, and kisses are a better fate than wisdom lady i swear by all flowers.Don't cry —the best gesture of my brain is less than your eyelids' flutter which says we are for each other:then laugh,leaning back in my arms for life's not a paragraph And death i think is no parenthesis e.e. cummings


11 de Setembro de 2005

Eyesight

It was May before my attention came to spring and my word I said to the southern slopes I've missed it, it came and went before I got right to see: don't worry, said the mountain, try the later northern slopes or if you can climb, climb into spring: but said the mountain it's not that way with all things, some that go are gone A.R. Ammons


11 de Setembro de 2005

Sofonisba Anguissola

anguissola2_big.jpg


11 de Setembro de 2005

Vestígios

noutros tempos quando acreditávamos na existência da lua foi-nos possível escrever poemas e envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído pelas salivas proibidas - noutros tempos os dias corriam com a água e limpavam os líquenes das imundas máscaras hoje nenhuma palavra pode ser escrita nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras ou se expande pelo corpo estendido no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se onde se pode - num vocabulário reduzido e obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua e nada mais se consiga ouvir apesar de tudo continuamos e repetir os gestos e a beber a serenidade da seiva - vamos pela febre dos cedros acima - até que tocamos o místico arbusto estelar e o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial Al Berto


10 de Setembro de 2005

Metsys

Q Metsys.jpg


10 de Setembro de 2005

A minor bird

I have wished a bird would fly away, And not sing by my house all day; Have clapped my hands at him from the door When it seemed as if I could bear no more. The fault must partly have been in me. The bird was not to blame for his key. And of course there must be something wrong In wanting to silence any song. Robert Frost


10 de Setembro de 2005

Da vontade

"(...) o mundo era a coisa que eu queria ter a meus pés sem ter ambição, apenas a graça da vontade. Para ter vontade é preciso graça; foi a graça do desejo que fez Sara ter um filho aos noventa anos. Percebam isto e percebem muita coisa." Agustina Bessa-Luís, in O mundo fechado, ed. Guimarães.


10 de Setembro de 2005

Rubens

rubens5.jpg


10 de Setembro de 2005

Do necessário alento

Vai a fresca manhã alvorecendo, vão os bosques as aves acordando, vai-se o Sol mansamente levantando e o mundo à vista dele renascendo. Veio a noite os objectos desfazendo e nas sombras foi todos sepultando; eu, desperta, o meu fado lamentando. fui coa ausência da luz esmorecendo. Neste espaço, em que dorme a Natureza, porque vigio assim tão cruelmente? Porque me abafa ó peso da tristeza? Ah, que as mágoas que sofre o descontente, as mais delas são faltas de firmeza. Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente! Marquesa de Alorna


9 de Setembro de 2005

Nothing gold can stay

Nature's first green is gold, Her hardest hue to hold. Her early leaf's a flower; But only so an hour. Then leaf subsides to leaf, So Eden sank to grief, So dawn goes down to day Nothing gold can stay. Robert Frost


9 de Setembro de 2005

Kiitsu

kiitsu.jpg


9 de Setembro de 2005

Do que não é amor

Cidra, ciúme É ciúmes a Cidra, E indo a dizer ciúmes disse Hidra, Que o ciúme é serpente, Que espedaça seu louco padecente, Dá-lhe um cento de amor o apelido, Que o ciúme é amor, mas mal sofrido, Vé-se cheia de espinhos e amarela, Que piques e desvelos vão por ela, Já do forno no lume, Cidra que foi zelo, se não foi ciúme, Troquem, pois, os amantes e haja poucos, Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos. Soror Maria do Céu


8 de Setembro de 2005

Dossi

Dossi.jpg


8 de Setembro de 2005

Do rigoroso amor

Que suspensão, que enleio, que cuidado É este meu, tirano deus Cupido? Pois tirando-me enfim todo o sentido Me deixa o sentimento duplicado. Absorta no rigor de um duro fado, Tanto de meus sentidos me divido, Que tenho só de vida o bem sentido E tenho já de morte o mal logrado. Enlevo-me no dano que me ofende, Suspendo-me na causa de meu pranto Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende. Ó cesse, cesse, amor, tão raro encanto Que para quem de ti não se defende Basta menos rigor, não rigor tanto. Soror Violante do Céu


8 de Setembro de 2005

Metsys

eliz1-metsys.jpg


8 de Setembro de 2005

And then again...

(lamentação) Há momentos em que as palavras tapam a beleza oferecida ao olhar. Mesmo que sejam úteis, mesmo que delas resulte um esclarecimento qualquer, podem ser inoportunas se nos fazem desperdiçar uma luz, uma cor, um calor irrepetíveis. No fim do verão.


8 de Setembro de 2005

Canova

canova.jpg


8 de Setembro de 2005

Da paciência

A Noiseless Patient Spider A noiseless patient spider, I marked where on a promontory it stood isolated, Marked how to explore the vacant vast surrounding, It launched forth filament, filament, filament, out of itself, Ever unreeling them, ever tirelessly speeding them. And you O my soul where you stand, Surrounded, detached, in measureless oceans of space, Ceaselessly musing, venturing, throwing, seeking the spheres to connect them, Till the bridge you will need be formed, till the ductile anchor hold, Till the gossamer thread you fling catch somwhere, O my soul. Walt Whitman


7 de Setembro de 2005

Acerca do amor, ainda

"Acho que de uma certa forma, pode existir um amor que fique em primeiro lugar, mas esse não é necessariamente o primeiro. Quase nunca é, digo eu...". O texto acaba assim, com uma verdade comprovada, mas recomenda-se a leitura integral.


7 de Setembro de 2005

Metsys

metsys.jpg


7 de Setembro de 2005

Da escolha

Two roads diverged in a yellow wood, And sorry I could not travel both And be one traveler, long I stood And looked down one as far as I could To where it bent in the undergrowth; Then took the other, as just as fair, And having perhaps the better claim, Because it was grassy and wanted wear; Though as for that the passing there Had worn them really about the same, And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way, I doubted if I should ever come back. I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I-- I took the one less traveled by, And that has made all the difference. Robert Frost


7 de Setembro de 2005

Simples

O Amor é uma coisa que desliza por cima das lagoas que corre pelos campos sem sentido que empurra o vento e apruma o sol no solstício que derruba a bruma e fecha o horizonte que nos faz ver de noite e de dia cegos tacteando o ar sem provimento que dá o movimento aos astros e às sombras infinitas que abre o mar por onde os escravos passam e ficam livres semsaber é a cascata que nos dilui e lança na corrente sem perfídia até ao oceano dos sentidos é o iceberg que se funde e derrota os titanics que passam solitários pelas albas é o assombro da manhã o cantar dos ralos nas searas o despertar das aves e rebanhos o charco onde crescem amarelo e roxo as flores da primavera é só eu e tu como nas novelas Henrique Ruivo


7 de Setembro de 2005

Forma & conteúdo

- Não vais gostar do post que acabei de escrever. - Não?! - Não aprovas a forma... - Mas certamente que aprovo o conteúdo! E o estilo interessa-me menos do que a mensagem. Garanto-te.


6 de Setembro de 2005

Bosch

bosch 1.jpg


6 de Setembro de 2005

Fire and ice

Some say the world will end in fire, Some say in ice. From what I've tasted of desire I hold with those who favor fire. But if it had to perish twice, I think I know enough of hate To say that for destruction ice Is also great And would suffice. Robert Frost


6 de Setembro de 2005

Tempus fugit

Um ano passou. Não no calendário, não ainda, não já. Mas passou no ciclo mais profundo das estações - provam-no as gaivotas que voltaram a pousar aqui, a distância prudente do mar que se agita à espera do equinócio. A chuva breve, a névoa que não deixa ver a cidade em frente, a vontade de revolver papéis e armários, de permitir o reinício da vida lá fora. Só falta o frio, o chá. Vai chegar em breve, bem mais aromático do que há um ano. Certamente que sim.


6 de Setembro de 2005

Van der Vinne

vandervinne.jpg


6 de Setembro de 2005

Da luz ausente

Fog The fog comes on little cat feet. It sits looking over harbor and city on silent haunches and then moves on. Carl Sandburg


5 de Setembro de 2005

Bosch

bosch.jpg


5 de Setembro de 2005

Mesma moeda

O tempo era redimido, o tempo voltava a assumir um objectivo, tinha de novo objectivo porque era o meio de satisfação do desejo. Ian McEwan, in A criança no tempo, ed. Público.


5 de Setembro de 2005

Duas faces

Na opinião de Stephen, o problema era o desejo. Não tinham necessidade nenhuma do conforto um do outro, ou do conselho. O seu fracasso colocara-os em caminhos separados. Não havia nada para compartilhar. Ian McEwan, in A criança no tempo, ed. Público.


5 de Setembro de 2005

Longing

Come to me in my dreams, and then By day I shall be well again! For so the night will more than pay The hopeless longing of the day. Come, as thou cam'st a thousand times, A messenger from radiant climes, And smile on thy new world, and be As kind to others as to me! Or, as thou never cam'st in sooth, Come now, and let me dream it truth, And part my hair, and kiss my brow, And say, My love why sufferest thou? Come to me in my dreams, and then By day I shall be well again! For so the night will more than pay The hopeless longing of the day. Matthew Arnold


5 de Setembro de 2005

tired.jpg


5 de Setembro de 2005

Saber esperar

O verão tem-se arrastado interminavelmente, desde antes do seu começo oficial (o fim das aulas antecipou-se-lhe por alguns dias), e irá até ao advento de uma agenda exterior, já entrado o outono no calendário. Por entre desgastes imprevistos somados a episódios recorrentes de má gestão de tempos (que não foram nem livres, nem produtivos), afloraram ilhas de belos momentos - um olhar, uma luz, um poente, um céu nocturno cruzado de estrelas aparentes.A incerteza quanto ao futuro próximo é um espinho que, sem ser extraído, foi doendo de modo variável ao longo de cem dias. E por entre o esmagamento das catástrofes alheias (a destruição apocalíptica pelo fogo ou a água) e a inquietude das íntimas dúvidas, há que saber esperar. Pena não ser dada à virtude.


4 de Setembro de 2005

Da Vinci

leonardoda.jpg


4 de Setembro de 2005

No

Perhaps I've been a slow developer, but I was well into my forties before I realised that you don't have to comply with a request because it's reasonable, or reasonably put. Age is the great disobliger. You can be yourself and say no. Ian McEwan, in Enduring love, ed. Vintage.


4 de Setembro de 2005

Lentidão

O caminho do amor vai, lento e sinuoso, da idealização à realidade, até ao que dela se pode conhecer. Tornar o corpodo outro uma pátria exige muitas luas - mas é a alma que nos leva até ao momento exacto em que se reconhecem as fragilidades ao ponto de as amar com a entrega que nos suscitam as virtudes.


4 de Setembro de 2005

Fronteira

Não entremos nesse território, pediu-lhe. É o teu passado, é outra vida que tiveste, não apagues a memória, deixa que se mantenha algum brilho intocado por um presente que o suplantaria, mera contaminação da vida sobre a distância do que foi há muito - deixa-o estático, sem saudade, sem dor, sem lembrança até. A sombra não retira sentido ao mais ardente sol. Salva do naufrágio o que é possível. Deixa incólume um espaço que foi povoado noutro tempo. Não voltes ao lugar onde foste feliz.


4 de Setembro de 2005

Dos espelhos

Espejo negro Dos cuerpos que se acercan y crecen y penetran en la noche de su piel y su sexo, dos oscuridades enlazadas que inventan en la sombra su origen y sus dioses, que dan nombre, rostro a la soledad, desafían a la muerte porque se saben muertos, derrotan a la vida porque son su presencia. Frente a la vida sí, frente a la muerte, dos cuerpos imponen realidad a los gestos, brazos, muslos, húmeda tierra, viento de llamas, estanque de cenizas. Frente a la vida sí, frente a la muerte, dos cuerpos han conjurado tercamente al tiempo, construyen la eternidad que se les niega, sueñan para siempre el sueño que les sueña. Su noche se repite en un espejo negro. Juan Luis Panero


4 de Setembro de 2005

Vermeer

S562vermeer.jpg


4 de Setembro de 2005

Trocando em miúdos

(algures, em quase todos os pretéritos) Eu vou lhe dar a medida do Bonfim Não me valeu Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim? O resto é seu Trocando em miúdos, pode guardar As sobras de tudo que chamam lar As sombras de tudo que fomos nós As marcas de amor nos nossos lençóis As nossas melhores lembranças Aquela esperança de tudo se ajeitar Pode esquecer Aquela aliança, você pode empenhar Ou derreter Mas devo dizer que não vou lhe dar O enorme prazer de me ver chorar Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago Meu peito tão dilacerado Aliás Aceite uma ajuda do seu futuro amor Pro aluguel Devolva o Neruda que você me tomou E nunca leu Eu bato o portão sem fazer alarde Eu levo a carteira de identidade Uma saideira, muita saudade E a leve impressão de que já vou tarde Francis Hime & Chico Buarque


2 de Setembro de 2005

Paul Klee

Paul Klee.Vrt.ruza.1920.jpg


2 de Setembro de 2005

Never again...

He would declare and could himself believe That the birds there in all the garden round From having heard the daylong voice of Eve Had added to their own an oversound, Her tone of meaning but without the words. Admittedly an eloquence so soft Could only have had an influence on birds When call or laughter carried it aloft. Be that as may be, she was in their song. Moreover her voice upon their voices crossed Had now persisted in the woods so long That probably it never would be lost. Never again would birds' song be the same. And to do that to birds was why she came. Robert Frost


1 de Setembro de 2005

Setembro

A quantos graus ferve o amor?


1 de Setembro de 2005

Love Song

I lie here thinking of you:— the stain of love is upon the world! Yellow, yellow, yellow it eats into the leaves, smears with saffron the horned branched the lean heavily against a smooth purple sky! There is no light only a honey-thick stain that drips from leaf to leaf and limb to limb spoiling the colors of the whole world— you far off there under the wine-red selvage of the west! William Carlos Williams


1 de Setembro de 2005

Paradoxo aparente

"He knew he'd never see Fanny again," Clarissa said. "He wrote to Brown and said that to see her name written would be more than he could bear. But he never stopped thinking about her. He was strong enough those days in December, and he loved her so hard. It's easy to imagine him writing a letter he never intended to send." I squeezed her hand and said nothing. I knew little about Keats or his poetry, but I thought it possible that in his hopeless situation he would not have wanted to write precisely because he loved her so much. Ian McEwan, in Enduring love, ed. Vintage.


1 de Setembro de 2005

Melozzo da Forli

da-forli-melozzo-erzengel-gabriel-9700091.jpg


1 de Setembro de 2005

Futuros amantes

Não se afobe, não Que nada é pra já O amor não tem pressa Ele pode esperar em silêncio Num fundo de armário Na posta-restante Milênios, milênios No ar E quem sabe, então O Rio será Alguma cidade submersa Os escafandristas virão Explorar sua casa Seu quarto, suas coisas Sua alma, desvãos Sábios em vão Tentarão decifrar O eco de antigas palavras Fragmentos de cartas, poemas Mentiras, retratos Vestígios de estranha civilização Não se afobe, não Que nada é pra já Amores serão sempre amáveis Futuros amantes, quiçá Se amarão sem saber Com o amor que eu um dia Deixei pra você Chico Buarque