Not yet O calor é tanto que Lisboa me aparece atrás de uma névoa muito ligeira; as luzes brilham e tremem, de modo ilusório mas visível (visível mas ilusório?), como quase tudo. A canícula desmedida deu-me para reencontrar os sons que prefiro, pelo que encerram, pelo que transportam, pelo que me lembram. Lamentations, uma obra lindíssima de Emilio de' Cavalieri (cerca de 1550-1602), interpretada por Le poéme harmonique, traz consigo um refrigério delicioso, em grande parte pela pungência do texto - muito embora admita que o meu muito estimado Crítico teria outra opinião;e sim, eu sei que só o compreendo porque o CD se faz acompanhar de um pequeno livro bilingue, onde o belo texto em francês permite suprir as dificuldades de quem não tem, hélas, formação clássica como, por exemplo, a dotada Bomba ,para não falar do Latinista, evidência fulgurante no próprio nome. Mas não me importo que seja uma tradução que me dá prazer, lado a lado com o texto original, nem que seja o francês e não o inglês o instrumento de tal gozo, tal como citar e discorrer me parece legítimo e não empobrecedor do que quer que seja (mesmo quandoa paráfrase não acrescenta demasiado, pode acender uma nova minúscula centelha em que a lê)...mas talvez quem me deu o disco não tenha pensado, no momento, nas desvantagens, hoje tão em moda sublinhar, da francofonia; o mal é que não gosto muito de modas...mas gosto das Lamentações. In Domine speravi, non confundar in aeternum: in justitia tua libera me, et eripe me Foi, em vós, senhor, que depositei a minha esperança, não me deixeis na confusão eterna: pela vossa justiça, libertai-me e salvai-me. Ana Roque --------