Quem deita sal na carne crua deixa a lua entrar pela oficina e encher o barro forte: vasos redondos, os quadris das fêmeas - e logo o meu dedo se põe a luzir ao fôlego da boca: onde o gargalo se estrangula e entre as coxas a fenda é uma queimadura vizinha do coração - toda a minha mão se assusta, transmuda, se torna transparente e viva, por essa força que a traga até dentro, onde o sangue mulheril queimado a arrasta pelos rins e aloja, brilhando como um coração, na garganta - o sal que se deita cresce sempre ao enredo dos planetas: com unhas frias e nuas retrato as lunações, talho a carne límpida - porque eu sou o teu nome quando te chamas a toda a altura dos espelhos e até ao fundo, se teus dedos abertos tocam a estrela como uma pedra fechada no seu jardim selvagem entre a água: tu tocas onde te toco, e os remoinhos da luz e do sal se tocam na carne profunda: como em toda a olaria o movimento toca a argila e a torna atenta à translação da casa pela paisagem rodando sobre si mesma - a teia sensível, que se fabrica no mundo entre a mão no sal e a potência múltipla de que esta escrita é a simetria, une tudo boca a boca: o verbo que estás a ser cada tua morte ao que ouço, quando a luz se empina e a noite inteira se despenha para dentro do dia: ou a mão que lanço sobre esse cabelo animal que respira no sono, que transpira como barro ou madeira ou carne salgada exposta a toda a largura da lua: o que é grave, amargo, sangrento. Herberto Helder