Não hei-de conseguir: por mais que tente, por mais que me desprenda ou desaprenda os ritos e os ritmos do corpo ou da alma, hei-de lembrar-me dos teus olhos vagos e hei-de supor que estavam procurando dizer-me qualquer coisa. Apenas o silêncio poderia falar como eles nessa plena doçura de existir na maior paz do mundo. E contudo, p'ra mim cada palavra se conjuga sempre com outras palavras, e assim por diante até ao infinito, até formarem por exemplo um poema como este - inútil quer p'ra mim, quer p'ra ti ou p'ra qualquer leitor que nele ainda pretendesse encontrar alguns vestígios dessa tão pobre e má sabedoria à qual, já só por hábito literário, gostamos de chamar o coração. Fernando Pinto do Amaral