(gentileza deMaria Helena) Como eu amei as raparigas lá de casa discretas fabricantes da penumbra guardavam o meu sono como se guardassem o meu sonho repetiam comigo as primeiras palavras como se repetissem os meus versos povoavam o silêncio da casa anulando o chão os pés as portas por onde saíam deixando sempre um rastro de hortelã traziam a manhã cada manhã o cheiro do pão fresco da humidade da terra do leite acabado de ordenhar (se voltassem a passar todas juntas agora veríeis como ficava no ar o odor doce e materno das manadas quando passam) aproximavam-se as raparigas lá de casa e eu escutava a inquieta maresia dos seus corpos umas vezes duros e frios como seixos outras vezes tépidos como o interior dos frutos no outono penteavam-me e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas na primavera não me lembro da cor dos olhos quando olhava os olhos das raparigas lá de casa mas sei que era neles que se acendia o sol ou se agitava a superfície dos lagos do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas as raparigas lá de casa que tinham namorados e com eles traíam a nossa indefinível cumplicidade eu perdoava sempre e ainda agora perdoo às raparigas lá de casa porque sabia e sei que apenas o faziam por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade o vício da virtude da sua imensa ternura da ternura inefável do meu primeiro amor do meu amor pelas raparigas lá de casa. Emanuel Félix Borges da Silva