Da Injustiça
Amaldiçoado em lágrimas
rasgo olhos ao horizonte
poente
inutilizo a noite
na chegada
em refúgio
(os cães ladram)
rememoro a hora
da notícia transmitida
palavra por palavra
revejo minha imagem
cristalizada
no congelamento
da lágrima depositada
(os cães farejam)
as dores se afastam
no distanciamento
necessário ao medo
o corpo estremece
ao se pertencer em dores
no horizonte hostil
da janela aberta
o futuro se depara
com a impertinência
do presente
(os cães comem)
afasto suas mãos das minhas:
o contato é lucidez
inoportuna na desesperança
a oração despercebida
rompe o silêncio
e se perpetua
afago o deslizar da hora
em horas subsequentes
(os cães se defendem)
murmuro o nada acontecido
e desacordo em sonhos
o retorno convive
com o fato
desproporcionado
revivo o outono em folhas
pelo chão
recupero a sanidade
e me faço cristal
de rocha esfacelado
(os cães se diferenciam)
sofro o instante
e gesto
o silêncio
o emudecer transmite
a incerteza da pergunta
na vastidão ampliada
da insensibilidade
(os cães desfazem)
posso perguntar
o que bem entendo:
mas não entendo
posso exprimir
a minha raiva:
mas não pretendo
posso aproximar
os olhos à fotografia:
mas não enxergo
(os cães confundem)
calendários dizem que os anos passam
o exercício diuturno de recuperar
o inconsciente e o aguardar
refulgente: recomposto
o exército lancinante dos ataques
distribuí ossos que estalam
(os cães apavoram)
um dia destaco na pedra
o sinal: acordo
um dia acordo e na pedra
destaco o sinal
um sinal na pedra
é destaque quando acordo
(os cães se acovardam)
olho e enxergo
ouço e escuto
pego e sinto
levo à boca
e o sal amarga
o recesso de onde retirado
avaros dias de permanências
permanentes signos
aparentes esboços
o processo desarruma o fato
em procedimentos
(os cães arfam)
ouvidas as testemunhas
os peritos dizem
das especialidades
nada
nada
a improvável condenação
confundida em versos
na reversão da realidade
(os cães obedecem)
choro atravessar o espaço
desconsolado em fatuidades
remoço a fotografia
e me instalo diante
da orfandade
perder significa atos
ao despropósito
de continuar vivo
(os cães silenciam).
Pedro Du Bois
Publicado em 13 de Abril de 2010