Encontros Todos os encontros
Encontros
Todos os encontros que temos na vida são, de um modo ou de outro, blind dates, porque nunca adivinhamos o futuro, sendo o mais extraordinário de todos o que temos com os nossos filhos, concretizado no momento do parto - quando aquele desconhecido tão longamente adivinhado que abrigámos dentro de nós surge, numa hora dolorosa e mágica é, sem dúvida, o blind date da nossa vida, repetido sem quebras nem diferenças de intensidade pelo número de filhos que parimos.
Nunca se pode ensaiar nada do que é verdadeiramente importante e isso é o próprio sal da vida - por isso recordamos enquanto tivermos uma réstea de memória aquele olhar que nos prendeu para sempre à pessoa amada, a frase dita que fica a ressoar dentro de nós, como se tudo tivesse sido captado num filme em perpétua projecção privada (por muito que, perversamente, isto possa vir a tornar-se incómodo ou mesmo lamentável...).
Mas blind dates em sentido estrito são os decididos por uma palavra, um comentário, uma ideia, levando-nos a forçar, por convicção, as rotas que, apesar de tão parelelas no espaço e tão próximas no tempo, não se cruzariam de "forma espontânea". O que dá sentido pleno a estes voluntarismos no contacto pessoal é a disponibilidade para densificar uma teia que, por muito que já se mostre confortável, ganha sempre com cada nova volta da espiral. Nunca conhecemos todas as pessoas que poderiam enriquecer a nossa vida e de quem poderíamos, muito simplesmente, gostar; algumas chegam bem cedo, outras vêm na adolescência, e outras ainda são já fruto de uma vida adulta, repartida em segmentos, de onde podem surgir esses seres que nos animam, motivam, desafiam, amparam e questionam. E convém nunca fechar a porta por onde podem continuar a entrar porque, em qualquer momento, pode surgir quem nos leia de outra forma, quem nos dê a ler uma outra cambiante. Não usei até agora a palavra amizade porque é difícil precisar se é de areté que em bom rigor se trata; se à amizade for inerente uma dose de afecto nascido da partilha de diversos tempos, é claro que só uma parte acede a esta categoria, que resiste aos anos com constância e intensidade. Mas é esse universo mais amplo de pessoas com quem trocamos ideias e criamos emoções que dá cor ao quotidiano - são esses habitantes do nosso modus vivendi que nos ajudam a tecer o fio de Ariadne, e alguns podem vir da blogosfera.
AmAtA
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Publicado em 24 de Maio de 2003