Pagar para ver (a vida sem ensaio geral, ou as virtudes de Polemos) Há muitos anos, quando procurava, ainda de modo algo ingénuo, tactear os contornos de novos e diferentes afectos, revestidos de aço e cheios de arestas cortantes, querendo evitar a dor e, ao mesmo tempo, desejando muito viver uma outra vida, ensinaram-me que a única forma de o fazer é pagando para ver. Não há almoços grátis, citava, em complemento, a mesma voz avisadora, quando a expressão não se tinha ainda tornado numa banalidade apreciada. E essa verdade, revelada da forma mais crua, através da própria experiência por vezes desoladora, mostrou-me bem que, na vida, não temos oportunidade para ensaiar antes da estreia, e até mesmo o precioso método experimental da tentativa e erro não garante o pleno proveito dos dados assim adquiridos em qualquer outro momento subsequente. Viver um episódio permite-nos ficar a sabê-lo, tal como analisá-lo oferece um pensamento sobre o ocorrido, as suas causas e eventuais consequências, mas pouco mais. Viver às vezes cansa por isso mesmo, porque os desgastes passados não são vacinas inibidoras de outros futuros; mas a desistência prévia só consegue garantir uma única vitória: a da derrota por falta de comparência. Ana Roque --------