True gift A Charlotte, que não se basta com ser inteligente e culta, mas faz questão de ser generosa, resolveu oferecer-me, via blogosfera (para sorte de todos os outros passantes!), um pequeno poema de Seferis, lindíssimo, traduzido por ela própria. Agradeço esse presente que só pude ver esta madrugada, no mesmo momento, aliás, em que deparei com a questão que ela coloca à consideração dos seus leitores: o que é uma boa pessoa? Claro que a questão é muito antiga e complexa, e não está longe de ser, de certo modo, o cerne de toda a filosofia moral; mas penso que, mesmo com bases científicas relativamente desprovidas nessa matéria, é capaz de ser possível relectir sobre ela, se não nos deixarmos abater pelo insidioso pensamento que aparece na segunda parte do Fausto, de Goethe: Geniozinho, em teu orgulho ufano Será que sofres esta simples certeza: Que não há estultícia nem sageza Que não tenha já pensado o ser humano? Curiosamente, sobre a questão em causa, dizia-me ontem um muito jovem e promissor realizador de televisão e cinema, Filipe Terruta, que "se nos deixarmos embriagar pelo poder que detivermos sobre os outros e decidirmos a nossa acção para com eles em função disso, e não com base em critérios de dever ser, deixamos de ser boas pessoas". Há poucos dias, explicava-me o meu pessoalíssimo deus in machina alguns detalhes da filosofia ocidental, centrando-se em Kant e Nietzche, acerca da forma como estes dois pensadores se detiveram no conceito de bem e de consciência ética do homem. Por mim, creio que a boa pessoa é a que acata uma ética equilibrada entre responsabilidade e convicção, conseguindo domar os seus monstros interiores, sufocar hybris e nemésis com eficácia, , nunca permitir que lhe suceda o que Eurípedes disse a respeito de Medeia ( o furur foi mais forte do que as suas convicções). No fundo, creio que aquele que conseguir construir a sua vida a partir de um esforço de convivência harmónica entre as quatro virtudes de que falava Aristóteles (a sabedoria, a justiça, a temperança e a coragem) será, certamente, uma boa pessoa. Mas a pergunta da Charlotte é como a de Pilatos: nunca estão respondidas de modo fechado e definitivo. AmAtA --------