Paz O calor está igual, o corpo transpira, a alma já não. A esperança no possível refresca e acalma mil horas de inquietação (aqui, curiosamente, não é uma metáfora, são mesmo quarenta e cinco dias físicos, reais, com tudo dentro), de ponderação sobre decisões inadiáveis e de reflexão sobre o que não se pode negar. Não se pode trair, tanto quantonós próprios, o que é o produto mágico do nosso encontro com o outro, essa linha de água irrepetível porque é feita no encontro limite de duas singularidades que galgam as fronteiras da sua própria invidualidade; é sempre um trabalho persistente e lento para vencer resistências e medos que serve de bastidor a essa tessitura. É um labor quesó o tempo longo permite, o tempo do conhecimento, da entrega progressiva, da marcação de um registo partilhado; o tempo da definição de cada um no espaço inventado, único, de ambos. É um querer e um saber trocados e cimentados em diferenças de olhar que não se imitam, acrescentam e expandem, em aproximações de discurso criadoras de uma língua franca, que pode ter ressonâncias reconhecíveis, mas possui uma densidade que só o seu peso matricial denuncia, só os seus cultores aferem dentro de si. Ana Roque --------