Dia A noite, curta e
Dia
A noite, curta e festivamente tempestuosa, acabou de súbito com o estrondo desmedido de um único trovão. As gaivotas deixam o mar avesso, planam sobre o rio de corrente agitada, e vêm pousar, por breves instantes, nas janelas mais altas, longe das suas paragens habituais, algumas ainda quase brancas, de tão jovens. Há momentos de alegria que rasgam o cinzento do céu.
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As Sem-Razões do Amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade
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Publicado em 27 de Outubro de 2003