Naufrágio em terra movediça (ou
Naufrágio em terra movediça
(oudiálogo à distância)
Não insistas, não posso falar, nenhum som me sai da alma, tenho a garganta cheia de água, os olhos marejados de fumo, não me digas nada, não me digas tanto.
Não vês que te oiço sem som, que falas suspenso sobre o meu corpo, que os teus olhos não me deixam dormir à noite, não gosto de dormir com a alma acesa, não vês que estou calada, calada, no fundo rio, a ser lenta e amorosamente arrastada para o mar da realidade, a prender-me às asas das gaivotas que não param de voar, que não param nunca, que me retiram do movimento das águas e me levam até às nuvens, de uma água para outra, em estado puro.
Não sabes que o meu tempo é outro, as minhas palavras são lâminas doces como o sangue, os meus beijos são o sol aos soluços, sou um rapaz a braços com uma imensidão dentro de mim, a naufragar no duvidoso anseio, a saborear a maré que vejo negra e é branca, branca.
Não posso dizer-te mais nada, anjo, também não sei o que importa, não sei o que é o amor, só vi barcos, comboios, automóveis lá em baixo, é talvez isso o amor.
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Publicado em 15 de Novembro de 2003