Som de tango (música inocentemente
Som de tango
(música inocentemente culpada de casos fortuitos ou de força maior)
O tango
(...)
Vejo a roda amarela circular
Com leões e cavalos, oiço o eco
Desses tangos de Arolas e de Greco
Que vi bailar no meio da vereda,
Num instante que emerge hoje isolado,
Sem antes nem depois, contra o olvido,
E que tem o sabor do que, perdido,
Perdido está, mas foi recuperado.
Os acordes conservam velhas cousas:
Ou a parreira ou o pátio ancestral.
(E por trás das paredes receosas
O Sul tem uma viola, um punhal.)
O tango, essa rajada, diabrura,
Os trabalhosos anos desafia;
Feito de pó e tempo, o homem dura
Menos que a leviana melodia,
Que é tempo somente. O tango cria
Um passado irreal, real embora.
Recordação que não pôde ir-se embora
Morta na luta, algures na periferia.
Jorge Luis Borges, in Poemas Escolhidos, Trad. Ruy Belo, ed. Dom Quixote, 2003.
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Publicado em 17 de Novembro de 2003