Decepção II Prescindir da esperança
Decepção II
Prescindir da esperança não é o mesmo que perdê-la no fio da espada dos dias. Não a ter nunca, ou tê-la tido tanto tempo antes que já se esqueceu o seu toque, não é o mesmo que sentir o garrote impedioso e progressivo da desilusão. Pode cultivar-se o não ter esperança quando se impõe a si próprio a meta clássica, perfeita, do carpe diem (mas até esse curto horizonte é um período que permite esperança ao espírito incauto...).
Para, profunda e verdadeiramente, não ter esperança, primeiro há que esvaziar o coração de todo o sentir. Lenta, pacientemente, até que nada mais reste. Privada da razão última da vida, a alma pode então desconhecer esperança, medo, desejo. No centro desse confortável vazio, a ataraxia permite, entre outros incontáveis benefícios, realizar na perfeição a morte do amor.
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Publicado em 4 de Dezembro de 2003