Como um rio (...) entrarei simplesmente de rompante, de braços estendidos, disfarçando-me de ave paciente, pedindo que me rasgues a pele e depois, dez minutos ou dez mil sóis depois, sairei da batalha de rastos, trucidado por ti. até lá, espero-te com o coração parado, avermelhando-se pela tua chegada. (...) tenho visto que todos os amores só morrem quando lhes desaba o derradeiro cometa por cima dos ombros. sabes, amo-te. tenho visto as rugas de cada amor e as rugas são elásticas: aparecem para os estranhos, desaparecem para os amados. tenho visto cabelos embranquecidos porque o vento demora meio século a assentar nos cabelos de quem se ama. tenho visto tudo do amor e sei que não há lágrimas nem riso no amor. há o supremo momento de união entre dois corpos em ruínas. in Homem Fumando O texto inunda, salta do ecran, encharca o leitor, submerge o mundo durante um imenso momento transitório. É uma dádiva fremente, uma luz teimosa contra si mesma, vermelha de morte percebida e mil vezes ensaiada. É um texto que foge para o sítio errado, vem acolher-se na efemeridade protectora da virtualidade, recusa a prisão ao lugar de pertença. Mas a vida nunca se engana, irrompe, é mais forte do que a recusa de um destino óbvio. Eis a prova. --------