Espanto II Mais umas horas
Espanto II
Mais umas horas passadas, nova remessa de correio a propósito dos posts de hoje, em especial acerca do que se refere à paixão (e a algumas das suas linhas de força, digamos). Agradeço todas as mensagens, mas confesso que as questões a que me parece poder responder são, em certo sentido, as mais pessoais, feitas por Sandra Perestrelo e, com alguns detalhes diferentes, por Paulo M.: porquê falar em perder, ou fazer uma espécie de acerto de contas connosco próprios, uma "liquidação e balanço" da paixão? E, mesmo fazendo esta operação, porque não considerar que "se ganhou sempre"? Começando pelo fim: porque, muito simplesmente, não é verdade. Essa lógica ganhadora (o "born winner" profissional, que ganha sempre, em qualquer caso), implantada através de uma literatura de grande divulgação e alinhada nas livrarias sob a designação de "auto-ajuda", é meramente ilusória; a verdade é outra, a meu ver: aprende-se sempre, é certo, mas ganha-se ou perde-se consoante as circunstâncias, o desgaste que se sofreu para aprender essa lição de vida (espécie de "propina" devida pela experiência). Quando disse que, no contexto referido, perdi, significa apenas que se pode hipotecar demasiado o único bem realmente escasso de que dispomos, por natureza e humana condição: o tempo. Em suma, ganhar seria aprender a lição sem necessidade de repetir tantas vezes "as mesmas aulas", para continuar no mesmo campo metafórico.
Quanto à primeira questão, porquê o "balanço": não é nenhum must, nenhuma obrigação ou necessidade universal; é apenas um método de olhar para a vida, de lidar com ela - reflectir sobre o que passou quando parece útil, escrever ou falar sobre isso, porque não há vivências completamente originais nem totalmente decalcadas face a qualquer outra.
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Publicado em 28 de Janeiro de 2004