O brinco de pérola (ou da beleza contida) O filme de Peter Webber, Rapariga com brinco de pérola, retrata um curto período da vida do pintorJan Vermeer e recria a história à volta do quadro com o mesmo nome. A cidade de Delft no século XVII foi reconstituída a partir da Veneza actual, com uma beleza pesada e imensa. Tudo é realmente pesado e medido com rigor obstinado - os olhares, os gestos, as cores. O olhar de Vermeer/Colin Firth faz-se denso, num mutismo de palavras eliminado pela profundidade da expressão (há de facto olhares assim, homens com um olhar assim, que suprem as palavras, são mais fortes do que todas elas, do que os gestos, do que os elementos). A rapariga é bela, o rosto jovem e a inteligência visível no olhar, nos gestos, tocante, de uma pureza autêntica. O detalhe da fotografia não nos deixa ignorar quase nada: a maldade num outro olhar ainda quase infantil mas já cruel, o desespero do ciúme na mulher desgastada, a preocupaçãoo face às dificuldades do pouco dinheiro para um certo padrão de vida, a brutalidade do desejo aliado ao poder do mecenas, a cor das nuvens. Mas o que verdadeiramente toca é a descrição da diversidade de registos amorosos, sem que uns anulem os outros. Pungente, a inutilidade inexorável de um desses registos, entre Vermeer e Griet. Há amores condenados na sombra, antes das palavras, esboçados em movimentos incompletos, fechados para sempre. Impossíveis mas grandiosos, imaculados porque verdadeiros na essência onde se limitam a ser sonhados. Pérolas. --------