Da vida em apneia Há
Da vida em apneia
Há vidas assim - o quotidiano é, quase sempre, gratificante, os afectos estão próximos, os laços de sangue aquecem a manhã e dão sentido ao cair da noite, a amizade é audível e até conhece novos rebentos com frequência, e o que se faz, mais do que trabalho, é vocação, chamamento mesmo; mas, mesmo assim, o grano salis é esperado com impaciência e fervor; o sentido último, profundo, do tempo, está suspenso no gesto da mão de que se conhece o toque exacto. A luz em fundo é a que se refracta no encontro do olhar, o que mata a sede é o fio de água nascido na partilha de um instante mágico, opera magna. O instante passa, a respiração suspende-se, e tudo volta a ser o que era antes, até ao próximo momento alquímico. Há vidas assim, entrecortadas, com labirintos e sonhos a servir de sala de espera. Há quem lhe chame amor.
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Publicado em 30 de Abril de 2004