Fac simile (nota breve sobre fotografia) "(...)prodígio que impede os efeitos corrosivos da saliva do tempo: guardiã da memória, protectora das ruínas iminentes, quase-divindade que responde às súplicas das coisas preciosas cuja forma se vai desfigurar, dando-lhes um lugar nos arquivos da memória." Maria Filomena Molder, in A imperfeição da filosofia. A fotografia torna possível, ao fotógrafo coleccionador, a construção de um universo de inexistências. O momento que desapareceu na voragem dos dias, o rosto liso que o tempo tomará para si, o sorriso feliz que se apagará no limite. Legenda para duas fotos: Primeira - um casal de meia idade, em dia cinzento, algures numa Escócia qualquer. A mulher sorri, toma o homem pelo braço, apoia-se ligeiramente, possui. O homem não chega a sorrir, mas está ali, está realmente ali. Teve tempo para aquele momento. Segunda - é primavera, quase verão, num canto mediterrânico da Europa. A mulher ainda jovem, sozinha na foto, sorri para quem não se vê. Há ruínas em fundo, talvez Pompeia. A mulher está realmente ali. Estará sempre ali, por causa da foto que a prendeu. --------