Da difícil precisão (ou da
Da difícil precisão
(ou da persistência versus masoquismo)
A fronteira limite entre atitudes, apesar de bem diversas em natureza, é quase sempre difícil de traçar: a vida não é a preto e branco, e os matizes de cinzento são quase infindáveis. Por isso, em última análise, só cada um de nós saberá com precisão (?) onde situar a "linha justa" de um percurso existencial. Por outras palavras, mais do que um sentido racional ou moral puros, procuramos a valia ética da nossa actuação, medindo-a pela bitola da dignidade, face aos outros e a nós próprios.
É por isso ilusório, quase arrogante, pretender qualificar as acções dos outros em termos de coragem ou cobardia, persistência ou desistência, no contexto de escolhas que só o foro íntimo pode avaliar. Cada um sabe onde acaba a virtude da permanência e começa a destruição doentia de si mesmo, onde se extinguem a persistência e a determinação e apenas sobram masoquismo e teimosia inglórios, desertificantes, maquinais e ásperos. Quem se enganar, ainda assim, na distinção destas paredes meias na edificação da sua própria vida, corre o risco de pagar o preço em amargura. Voltar a página no momento em que nada mais há a esperar, não somente do outro, mas sobretudo do que se procurou construir com ele, é um momento de dor, mas certamente condição sine qua non para se cumprir plenamente quem se é. Cada um terá a percepção dos seus tempos, do ritmo de aprendizagem de si mesmo, de maturação, da medida das suas forças, do tamanho da esperança que o anima, da saturação face à inegável impossibilidade dos seus desígnios. Só a soberba mais extrema pode permitir o atrevimento de julgar as pessoalíssimas opções dos outros neste labirinto.
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Publicado em 13 de Maio de 2004