Da inacreditável misoginia Não parece possível que, no século XXI, num país que se pretende civilizado, integrado de pleno direito na União Europeia, com uma Constituição baseada na igualdade e na não discriminação, nomeadamente em função do sexo, possam ser proferidas palavras como as de Luís Filipe Pereira, ministro da Saúde, a propósito da questão da possível introdução de quotas em Medicina, de modo a garantir que as mulheres não estejam em maioria; é claro que não foi apenas o ministro a proferirdislates acerca da duvidosa disponibilidade profissional das mulheres, em virtude da maternidade e da família (os homens não têm família, como é sabido, e são seres de geração espontânea, vivendo isolados em cogumelos e dedicando-se apenas a ser excelentes profissionais, com verdadeiro toque de Midas em todas as competências); conforme explica Helena Matos, no seu artigo de hoje no jornal Público, com o título Assimetrias, o bastonário da Ordem dos Médicos e o Presidente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar também foram pródigos em frases misóginas, preocupados com o facto de haver "cada vez mais mulheres em áreas de actividade médica que não eram ocupadas por elas". A verdade, como eles certamente sabem, é ainda mais cruel: na área das profissões ligadas ao Direito é a mesma "desgraça": elas são em maioria nos bancos das Universidades, tiram muitas vezes as melhores classificações, são advogadas, juízas, magistradas do Ministério Público. Isto acontece por mérito próprio, sem quotas, sem privilégios, por esforço, por ambição, por gosto, por mero desejo de realização pessoal. Nenhuma mulher se sente menos mãe, se o for, por ser profissional de qualquer área; certamente uma boa profissional não o será menos quando é mãe. E quanto à família, não se entende que seja vista como uma "obrigação" da mulher; pelo contrário, é uma forma de organização entre pessoas que, supostamente, se entreajudam, têm laços especiais de afecto, de solidariedade e de comunhão de objectivos. Não é uma limitação, é um reforço do indivíduo, seja mulher ou homem. Com aquele tipo de discurso anacrónico (explicado, numa perspectiva imaginativa e esotérica mas de forma bem interessante, por Dan Brown, no romance intitulado O código de da Vinci, editado entre nós pela Bertrand - sendo de lamentar, já agora, as numerosas "gralhas" que escaparam à revisão), não será que, se as mulheres não lhes fizessem falta para manter as vidas arrumadas, alguns senhores não perguntariam, entre si, vendo-as em lugares que queriam só para o seu "clube": "E não se pode exterminá-las?..." --------