Do ciúme (zelúmen, ou o temível
Do ciúme
(zelúmen, ou o temível monstro verde)
Zelo é a palavra que deve acompanhar o sempre muito discutido e complexo sentimento de amor, enquanto atitude de cuidado para com a pessoa amada. Quem verdadeiramente ama, deseja que a pessoa amada se sinta acolhida, querida, respeitada. É um sentimento de alteridade (voltado para o outro - alter - e não para si mesmo). É querer o bem do outro pelo outro e para o outro. Uma distorção deste zelo e que, curiosamente, tem idêntica origem etimológica, é o sentimento de ciúme. E o ciúme nunca é uma prova de amor ao outro - só uma representação perversa do amor próprio, misturado com insegurança: é resultado do medo que alguém sente de perder o outro, o seu poder ou a sua exclusividade sobre ele. É um sentimento egocêntrico, que pode chegar à terrível sensação de ser excluído de uma relação. Se há comprometimento emocional, cabe a cada um lutar contra a instabilidade neurótica ou de auto-afirmação, muito embora a ajuda do outro elemento da relação possa ser essencial para o sucesso. Neste caso, a sensação de angústia e instabilidade e a insegurança em relação a si mesmo e ao outro serão superadas, desde que não haja fragilidade afectiva.
Contudo, a superação desse ciúme não ocorre em situações delirantes, em que a mera insegurança cede lugar a uma certeza infundada de traição ou de abandono iminente. O pensamento delirante atinge níveis insuportáveis de tensão. Para não destruir o afecto, sentir-se enciumado deve levar a pessoa a questionar-se, partilhando com o outro este sentir e reconstruindo a visão de si mesmo. Vale a pena ver se há amor para além da vaidade.
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Publicado em 18 de Julho de 2004