Podestade (ou da perversidade amável)
No final dos anos setenta do século passado, viu todos os filmes de Rainer Werner Fassbinder que o Quarteto exibiu (e foram uns quantos). Tinha que vê-los, não só por amor à sétima arte, mas porque nessa época, aberta com a Morte em Veneza, de Visconti, Tadzio não era um simples episódio de gosto duvidoso, feito de observações incómodas ao almoço num centro comercial - era uma ferida aberta, em forma de interrogação, uma incompreensão muito jovem, uma ânsia de perceber o desconhecido que tornava tudo impossível. Hoje, tudo isso arrumado em memória de acesso fácil, ainda reluz um título particular, pela duplicidade que encerra: O direito do mais forte à liberdade. É nesta frase fabulosa que pensa, ao "raiar da bela aurora", quando o sono se esfuma, deixando espaço para relembrar o jogo mais extremo e difícil que conhece: o da vítima que, enquanto aceita manter-se como tal, se deixa seduzir e manipular pelo seu próprio poder sobre o algoz, imenso e frágil como a vida.
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