Pollock (da vida descrita)
O inferno da genialidade é o vórtice que sorve quase tudo, neste filme biográfico muito interessante. Jackson Pollock (1912-1956) foi um pintor extraordinário, e um homem atormentado pela depressão, destruído pelo álcool, mau grado o esforço de Lee Krasner, sua mulher (Marcia Gray Harden, que ganhou um Óscar para a melhor actriz secundária com a sua interpretação). Ed Harris protagoniza e realiza o filme, tendo por base o livro "Jackson Pollock: An American Saga", de Steven Naifeh e Gregory White Smith. Depois de o ver, a interrogação que fica é, de resto, comum a todas as biografias: quanto será ficção documentada, quanto andará perto da verdade daquela vida vivida no limite? E será possível, de todo, a omnisciência da biografia autêntica, ou apenas a ficção permite descrever o passado, até mesmo (ou sobretudo?) no caso da autobiografia? Ainda há poucos dias, em conversa com a Carla e a propósito da "Vida de Sólon", de Plutarco, esta questão se colocou: a biografia só pode ser escrita a partir do esforço máximo de investigação, sendo certo que a verdade narrada será sempre e só a possível - a documentada, muito embora tenha que haver um esforço muito cuidado e rigoroso de "montagem" dos acontecimentos pelo biógrafo. Há dimensões da vida que nunca será possível descrever - e que até ao próprio estão vedadas pelas artimanhas da memória e do esquecimento. Mas o que sobra, apesar de tudo, pode ser muito e fazer toda a diferença: a que medeia entre algum conhecimento e a total ignorância. Só por isso, já vale certamente a pena o esforço do biógrafo e o prazer do leitor/espectador.
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