A designação precisa para aquilo era uma necessidade que a perseguia. Não sabia, depois de tantos anos, o que chamar ao que vivia (não podia sequer referir-se ao que tinha, porque sabia bem que não tinha rigorosamente nada - nada a que pudesse chamar seu, ali). A palavra "caso" parecia-lhe de menos, após uma sucessão considerável de anos, e só lhe surgia ligada a expressões de dificuldade, como "caso sério", "caso bicudo"; ora, a verdade é que nada havia de difícil na situação em causa; mas chamar "relação" a algo tão dirigido e pragmático era claramente excessivo, considerava, num esforço de rigor - o que se relaciona sempre se liga, há uma expressão de proximidade, e isso não podia ser, não seria verdade. "Ligação", eis talvez a palavra mais certa mas, como não gostou nada dela (não lhe apetecia comparar a sua vida com um telefone), resolveu libertar-se dessa busca tão exigente e deixar de ter aquilo (o que quer que fosse tal coisa...) para não precisar de lhe dar nome.
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Desistência (ou da reminiscência) A
Desistência
(ou da reminiscência)
Publicado em 13 de Setembro de 2004