Diário de bordo
(em terra firme)
É suposto ser difícil partir, cortar amarras, soltar-se das limitações auto-impostas (por vaidade, por teimosia, por cegueira), que são, como é sabido, as mais perigosas de todas. É difícil. Mas não tanto como os grãos de areiaa arranharem a pele dos dias que escorrem e não trazem a paz, ainda não trazema paz ansiada, ou a que trazemé tão pouca e escorre, desaparece num momento, e a secura volta. Difícil é não retroceder, não parar sequer, aproveitar o vento da certeza, a inércia da vontade moldada em tantos momentos de descrença, amassada na falta das palavras precisas, moída nas outras, as indesejadas e escuras, rasgando a doçura brevemente consentida; manter o rumo, perder de vista o porto do cansaço e da entrega vã. Mesmo custando, mesmo com o tormento da saudade súbita, imprevista e desrazoável, a sombra fugidia de um instante qualquer onde havia um vislumbre do sonho, o esforço de esquecer doendo à má fila como sapatos de salto pequenos de mais. Mesmo treslendo de tanto olhar o mapa da rigorosa, seguríssima rota da solidão voluntária e apetecida, que leva para mais longe, cada noite mais longe, cada dia menos mareado. Cada sopro mais perto do fim.
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