A vida tem um sistema de equilíbrios misterioso e invisível, uma espécie de vasos comunicantes, às vezes retardados, que operam compensações curiosas. Vem isto a propósito de uma experiência singular: por causa de uma escolha árida, frustrante e desconsoladora, vim a conhecer algumas pessoas excepcionais (na força, na garra, nas convicções e na teimosia em permanecerem jovens sem olhar aos anos do corpo), cujo contacto (e em alguns casos, amizade) me enriqueceu. Já aqui falei uma vez da mulher interessante e invulgar que é Stella Piteira Santos; hoje, ao receber pelo correio um livro* de outro desses amigos, resolvi falar dele. Jaime Serra é um homem que, passados os oitenta anos, conserva um olhar vivo e uma atenção curiosa sobre o mundo. Baixo e discreto, tem um sorriso cativante e cultiva uma pose quase galanteadora, capaz de atenções e gentilezas que hoje começam a ser raras, como mandar flores ou oferecê-las por pura simpatia. Mas a sua vida não foi passada em ademanes de salão ou conversas de café - resistiu com tenacidade no tempo do Estado Novo e pagou caro por essa atitude convicta. Por mais distante que esteja das suas opções políticas, gosto do homem e admiro o resistente.
* Jaime Serra, Eles têm o direito de saber o que custou a liberdade - Páginas da luta clandestina, 2ªed. revista, ed. Avante, 2004.
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