História menos antiga
Era uma vez um homem que tinha uma mulher presa nas grades invisíveis do seu olhar. Durante muito tempo, a mulher nem pensava fugir da prisão, embora sofresse com a falta de espaço, com a austeridade das palavras, com a ausência de alimento, com a sede de afecto. Mas iludia-se com os raios de sol que brilhavam de vez em quando e acreditava sempre que as grades, um belo dia, seriam árvores frondosas e carregadas de frutos, rodeadas de fontes, como num jardim andaluz. Os anos passaram e a mulher sabia que a prisão estava cada vez mais árida, o chão onde se deitava cada vez mais frio, e até o sol, aos poucos, tinha deixado de entrar, ou era ela que não o podia ver porque estava muitas vezes cega pelos rios que lhe corriam no rosto. Até que, numa noite igual a muitas outras, em que os seus murmúrios de desespero se transformavam em uivos, percebeu que a chave estivera sempre nas suas mãos, oculta, tapada por uma ponta da sua alma. Não precisava de fugir, porque só o amor a poderia prender, e ali não havia nada que se pudesse confundir com uma força intangível revelada na doçura do corpo - o que havia, sim, era apenas a dança ilusória da vaidade e a voracidade cruel de quem a sabia presa. Então, nessa noite, a mulher abriu a cancela de um túnel que nada lhe custou a subir, deteve-se um segundo para beijar pela última vez quem tanto tinha amado em vão, e conduziu a sua vida para fora daquela história onde nunca haveria um outro final mais feliz.
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