Não escrever
Curiosamente, nos últimos dias tenho sido chamada a pensar nas fronteiras éticas do que podemos escrever. Depois de um desafio editorial para me "pôr à prova" numa espécie de romance, de contornos autobiográficos mais do que óbvios, este tem sido o meu "assunto central", no intervalo de todas as intendências. É certo que a experiência pertence a quem a viveu e o olhar é sempre pessoal, resultado alarmante de ter pago para ver até ao limite da esperança, desilusão recebida a final e com juros elevados. Mas nada se vive sem o(s) outro(s), sem a sua exposição no gesto, no olhar que foge ao domínio e se enternece num momento único, na palavra (mesmo quando fere - sobretudo quando fere). E a conclusão chegou, clara e inequívoca, doce presente de Hypnos: quando escrever possa ser trair (a memória, a confiança, a nudez própria e alheia, o tempo passado, os momentos, mesmo que raros, em que um raio brilhou, ou se pode acreditar que sim), a única atitude possível é não escrever.
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