O filme de João Canijo é denso, violento até ao limite, a atrocidade visível no sangue, na degradação de tudo, mesmo o que costumamos acreditar intocável, quase sagrado, nestas nossas vidas onde o lado trágico (excepto quando envolve a perda sem remédio às mãos da Ceifeira), é muitas vezes quase cómodo, sensível e apresentável, dentro dos conformes. Aqui, é uma tragédia vivida num mundo paralelo ao nosso, intocável pelos que vivem os dias e trazem das noites apenas o brilho ocasional e seguro que o luar projecta. Aqui, o amor não protege, o amor vende e mata. Aqui, não há nada que possa vencer a força macabra daquilo a que se poderia chamar destino, como faz o personagem Nelson (soberba criação de Fernando Luís), mas que é um conjunto de escolhas más, destrutivas, até ao nigredo mais absoluto. As actrizes (Rita Blanco, Beatriz Batarda e a muito jovem Cleia) são esplêndidas, em especial Beatriz Batarda, bela na grandeza da quase fealdade propositada, na coragem e na fragilidade supremas, na dádiva contra tudo o que a rodeia e vence. A tragédia existe e certamente não é só num cinema perto de mim.
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Noite escura O filme
Noite escura
Publicado em 31 de Outubro de 2004