Tempo (para tudo)
Há um tempo para tudo, e sabê-lo tem que estar no sangue, tanto quanto na palavra do Livro. Um mês depois do fim definitivo, suspirado num cansaço inglório e tornado grito nascido com a desesperança, o "luto" deve mudar de figura, recolher-se em desvãos menos visíveis - a vida tem que fluir e triunfar sobre o recolhimento. Afinal, a reflexão começou muito antes e continuará até tudo estar esmiuçado, até já não haver diferença entre sono e vigília no esquecimento do que foi o pano de fundo de uma década. O corpo deve avançar, abrir a porta à alma, dar-lhe espaço para voltar à luz do dia. É mais fácil - é o exterior que toca o mundo. Funde-se com ele, deixa que as fronteira entre nós e os outros abrandem e se derretam se houver a ternura e a amizade suficientes. Não tem que ser o amor a religar-nos com o universo, basta outra coisa mais leve, menos telúrica, porventura duradoura e serena como a proximidade amável de quem se conhece com o mínimo de artifício. Depois a alma espreita, anima-se, e avançará até acreditar outra vez. Amen.
--------