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E encontrar a pessoa errada no momento certo, perguntas-me, ainda sem teres visto o filme, a não ser o da tua própria vida, colado à cadeira sem poderes deixar o lugar, mesmo quando custa não perceber, mesmo quando perceber não ajuda nem um pouco a sofrer menos? Essa é a "pedra ao negro" do filme, o centro da história cruel do desencontro entre quem está disponível para amar e quem não nos vê - pode até haver sexo intenso, mas não haverá intimidade para além dos corpos emprestados ao prazer, sem nunca ser permitido o sono partilhado; ou o destinatário pode nem sequer se aperceber do amor, apenas porque o seu olhar está pousado noutro lugar. O filme narra este desconsolo através dos rostos belíssimos de mulheres de olhos líquidos, ao som da música da Casta Diva ou de King Cole, à luz da chuva nocturna, em hotéis baratos mas não sórdidos, no fumo de cigarros lentos. Mostra o amor desencontrado, tão impossível de ser correspondido como se o outro fosse andróide, e lembra que esse fino estilete corta como uma faca envenenada que não permite nunca a cicatrização em vida. O filme é sublime exactamente porque esta realidade é mais poderosa do que qualquer ficção. Vai ver, peço-te. Com carácter de urgência.
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