Reflexo
Queria lembrar-se da sua imagem, mas era cada dia mais difícil. De noite, em sonhos, ainda se reconhecia, em traços muito desvanecidos, reflectida em velhos cristais embaciados, mas ao menos havia um perfil familiar, uma sombra que ficava cada vez mais ténue mal acordava. Saía de casa e tentava rever-se nas montras das lojas, nos vidros dos automóveis, nos espelhos dos elevadores - impossível, havia logo alguém a passar de permeio, ou a escuridão, ou a luz em excesso, e a imagem faltava sempre. Em casa, desalentada, chegava-se ao espelho no quarto de vestir e a superfície enchia-se de névoa; quando se aproximava mais, via que eram pequenas gotas, de uma estranhíssima humidade, como lágrimas redondas, e tudo era fragmentado em pérolas minúsculas, de recomposição impossível. Soube então que a sua imagem nunca mais voltaria - tinha ficado presa na retina de quem tinha amado.
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