Do artifício útil 2 (ou das utilidades acessórias)
O exercício de abolição do continuum, a pretensa feitura de um corte sincrónico na vida de cada um, é outra das práticas de arrumação que, na cultura ocidental, torna esta quadra propiciatória aolhares em perspectiva sobre o(s) caminho percorrido(s) no plano estritamente pessoal. Contudo, mais do que um ano que acaba e outro que começa, o modus vivendi denota e é marcado pela existência de ciclos relativamente longos (mais arrastados do que os famigerados sete anos, oriundos de uma importação forçada da biologia sobre o todo); quando um ciclo de construção focado num sentido se esgota, há que apreciar a obra feita, a inacabada e a de projecto impossível; convirá guardar com devoção o espólio do que se viveu bem, com gosto, prazer, sucesso e alegria, desactivar a dor do que sobrou emmágoa, perda ou simples frustração, sem com isso apagar as rugas que a alma ganhou, sinal de experiência e aprendizagem; acima de tudo, importa respirar fundo e ser capaz de entrega plena a um novo ciclo onde as provas serão diferentes em género, número e grau, as oportunidades diversas e a vista sobre o mundo necessariamente outra. Les jeux sont faits. On y va.
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