Do artifício útil (ou das utilidades acessórias)
O hábito generalizado de aproveitar a ficção do calendário para olhar um segmento de tempo da vida, pública e privada, com intuitos sinópticos e valorativos, tem tanto de artificial como de utilitário. Apesar de assente na divisão arbitrária e "fatiada" do tempo, a verdade é que, numa época de imediatismo, preguiça mental, facilitismo e aceleração, a recusa, ainda que momentânea, da superficialidade em prol de alguma reflexão só pode fazer bem.
Na vida pública nacional, este foi o ano da incredulidade - a atitude irresponsável de um chefe de governo que, chamado a ocupar um cargo que só lhe apareceria uma vez na vida, nem se preocupou com a continuidade do "lugar de origem" (e que, já agora, tinha sido o degrau indispensável para a nova subida); depois, bem pior, um circo patético tomou o lugar do Governo, numa sucessão de dislates e contrasensos capaz de deixar o mais impávido cidadão coberto de vergonha alheia. Finalmente e em slow motion, o garante da Constituição e do próprio regime democrático (e da respectiva sanidade, supõe-se) lá entendeu agir em conformidade com os factos e permitir o relançar de alguma esperança no regresso à normalidade construtiva, civilizada, estruturada com sentido de Estado, sensibilidade, ética e bom senso. Acaba o ano com expectativas acerca do que nos vai trazer Fevereiro.
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