Palavras 2
Continuam arredias, as palavras, pensou - agora que são necessárias e urgentes, nãoinvadem, atravessam e disparam como queria. Intensamente, desejou que voltassem, que não se demorassem tanto, e não era a carência da simples habituação ao verbo, bem vê agora, bem vira logo no instante em que lhe fugiram, ainda sem ver. A luz matizada e estranha da manhã trouxe-lhe o reconhecimento do que sabia bem: quanto mais alto se aposta, maior é o mundo que se avista, e a vida é um pagar para ver constante e impiedoso , gratificante e singular, duro e extasiante. Pode não se ir a jogo, casose recuse o risco da totalidade- e os deuses permitem com indiferença essa forma de estar morto em vida, a ataraxia como um envólucro confortável e hermético, eficaz até que o Letes nos arraste de vez. Ou pode segurar-se a mão que pertence àquele corpo que é outro e se quer fazer seu, na vertigem de um abismo a que há até quem chame amor, se a palavra não mata de terror só de pensar nela. A liberdade vai até ao ponto de podermos escolher entre a vida e a morte, e não há universo mais infinito do que esse.
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