Imaginou-o a fumar, sentado, meio perfil que devorava com os olhos, que tinha gravado na memória para uso indeterminado e interminável, às voltas com as palavras que dominava de tantas formas - quase tantas quantas as incontáveis centelhas de prazer que lhe oferecia na margem exacta do corpo, naquele espaço indefinido entre o ser e a negação da morte, no território preciso do amor onde a tinha incendeado em noite incerta; onde por uma vez já naufragara à beira de uma madrugada inexistente, no nevoeiro de uma manhã desnorteada; onde, terra que era, envolta no excesso de sons sem significado, a água tinha vindo salvá-la depois. Imaginou-o ligeiramente curvado, os ombros que a acolhiam em doçura firme tornados brandos pelo esquecimento de si, e respirou o ar absorto que lhe tomava o rosto e lhe soltava os dedos sobre as teclas. Ouvia a música silenciosa e o tempo sem dimensão - lento sem aquela presença, da mesma forma que se transformaria depois numa cascata indomável e extrema, que se escaparia sem que soubesse sequer para onde tinham escorrido os minutos em falta perene. Imaginou-o como se o amasse naquele preciso instante. Como o amava. Sempre.