« (...) O que é que derruba os ditadores, o que é que libertou a Europa ocidental? Acima de tudo uma apaixonada fome da verdade, verdade acerca do seu passado, e da justiça que a verdade gera. Estás à beira de um novo século. Sobre ti e sobre os outros como tu tombará o fardo de preservar a pureza da erudição e de elevados padrões de pensamento independente. Deves aderir a estes antigos valores, purificando-os continuamente e mantendo-os sagrados. Acima de tudo, tem cuidado com um determinismo redutor que assombra a nossa civilização cada vez mais científica e tecnológica. Estás sozinha, pensando os teus próprios pensamentos, sê calma, sê paciente, suporta uma infinita lentidão, o tempo gasto a verificar um facto ou uma referência não é tempo perdido, mas uma parte essencial do trabalho meticuloso e invisível que a erudição exige. Os historiadores também têm as suas noites obscuras. Ama e busca a perfeição. Lembra que se trata de uma dedicação para toda a vida, como se entrasses para um convento, algo a que tens de dar toda a tua vida, tens que crescer para te tornares erudita. Tens que ser uma asceta, fugir aos pecados, evitar o remorso e a culpa, que não podem consumir o teu tempo e a tua energia. Não invejes o talento dos outros ou a sua fama, não te entregues a sentimentos de ciúme quando outra pessoa é preferida. Viaja com poucas coisas, simplifica a tua vida. Tem cuidado com o envolvimento nos problemas dos outros, o altruísmo é muito frequentemente um simples e sobrecarregado exercício de poder. Um outro conselho. Não te cases. O casamento acaba com a autenticidade numa vida. Creio que te inclinas, de qualquer forma, para a solidão. A solidão é essencial para que o verdadeiro pensamento tenha lugar.» Iris Murdoch, in O cavaleiro verde, ed. Publicações Europa-América.