Poema
(oferta da Maria João)
Viver não dói
Definitivo,comotudooqueésimples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não secumpriram.
Por que sofremos tantopor amor?
Ocertoseriaa gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempofeliz.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foidesfrutado e passamos a sofrer
pelas nossasprojeções irrealizadas,
por todas ascidades que gostaríamos
deterconhecido aolado do nosso amor
e nãoconhecemos,
por todos os filhosque
gostaríamosdetertido junto e não tivemos,
por todos os showse livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos osbeijoscancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque
nossotrabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas ashoras livres
quedeixamosdeter para ir aocinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.
Sofremosnãoporquenossamãe
éimpacienteconosco,
mas por todos os momentosem que
poderíamosestarconfidenciando a ela
nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada
em noscompreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuroestá sendo
confiscadodenós,
impedindo assim que mil aventuras
nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e
nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foivivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo,
mais meconvenço de que o
desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nadaarrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor éinevitável.
O sofrimento éopcional.
Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 23 de Junho de 2005