Podemos cruzar-nos no labirinto das ruas, partilhar a rotina da mesma cidade, e não nos determos mais do que um segundo naquele rosto, naquele corpo que segue o seu caminho em passo distinto do nosso, sem deixar marca. Um dia, por obra e graça de aleatórias circunstâncias, deixamos de ser desconhecidos e, se for esse o desígnio dos deuses, a paixão dar-nos-á em memória viva tudo o que desprezámos antes. Retemos então todos os detalhes - o tom exacto da íris, a forma do riso, o desenho do rosto, o gesto das mãos enquanto a fala encantatória nos envolve. O tempo, na sua inelutável fábrica de verdade, dirá da visibilidade futura - se será corpórea, esculpida nos dias, trabalhada em noites conjugadas, ou se está condenada a ser feita da matéria assombrada e volátil a que chamamos recordação.