Passei toda a manhã à tua espera : nenhuma hora te trouxe. Mas, como o inverno traz a primavera, a tarde iluminou-se. * Rasgou-se o lençol da bruma. Um arrepio de luz abriu as flores molhadas e transformou-as em espuma. E um grito feito de sangue toldou a manhã inteira. Atiro às asas do vento minha amargura ligeira. * Há em teus olhos, dados ao momento, uma tristeza de água reprimida, que é como o pressentimento duma próxima despedida. Tristeza que faz lembrar dias perdidos de outono com luz pálida a incidir nas folhas, mortas de sono. Deixa que a esperança os molhe, os inunde de alegria. Cada noite passa e colhe o gosto dum novo dia. Albano Martins, in SECURA VERDE E OUTROS POEMAS (1950-1953).