(ou a diacronia dos verões) Ao longo de duas décadas, as férias resumiram-se a itinerâncias metódicas entre casas que eram assim temporária e sazonalmante resgatadas a um fechamento que lhes deixava um vago traço de bafio, depressa anulado pelas janelas abertas de par em par. Uma dessas casas tinha o mar bem perto, o mar doce, doce e convidativo virado a sul, garantindo manhãs frescas e caminhadas solitárias, à espera do vento súbito e quente que, um dia qualquer, trazia o levante. A outra nasceu há gerações, encaixada entre serras cada ano mais cinzentas, os parcos castanheiros em rápido desaparecimento na paisagem sempre menos bela, onde em breve só brilhará um curso de água capaz de fazer esquecer por instantes a inesperada aridez envolvente. Há menos de dez anos, as férias tornaram-se debruadas de pequenas viagens, um pouco antes do seu início oficial e depois a marcar o encerramente desse período às vezes um pouco mais claustrofóbico e cansativo do que o resto do ano - então, Maio e Setembro passaram a conter momentos diferentes, cheios de novidade e algum contentamento. Quase há um ano, de repente, a vida dobrou sem pré-aviso um cabo inesperado e invisível: os ventos sopraram numa direcção outra, as marés tornaram-se plenas e envolveram tudo - quando chegaram as férias, passaram a ser somente o mais longo tempo de partilha, a margem onde apreender matizes que o quotidiano deixa na penumbra, o momento de saborear palavras em comum sem querer saber das horas. Dias lançados sobre formosas águas verdes, noites povoadas de estrelas, sucessão mágica de instantes que envolvem como mantos. Sob um olhar único.