(gentileza de Amélia Pais) Por entre as oliveiras vem a Penélope com os cabelos apanhados à trouxe mouxe e uma saia comprada no mercado azul marinho com florinhas brancas. Explica-nos que não foi por dedicação à ideia "Ulisses" que deixou os pretendentes durante anos a esperar na antecâmara dos misteriosos hábitos do seu corpo. Ali no palácio da ilha com os horizontes fictícios de um doce amor e o pássaro à janela a captar apenas isto, o infinito, ela pintou com as cores da natureza o retrato de eros. Sentado, de perna traçada, segurando uma chávena de café matinal, um pouco macambúzio, um pouco sorridente, a sair quente dos edredões do sono. A sombra dele na parede marca deixada por um móvel há pouco retirado sangue de antigo assassínio aparição solitária do Karanguiózi na tela, e por trás dele sempre a dor. Inseparáveis o amor e a dor como o balde e o menino na praia o ah! e um cristal que se escapa das mãos a mosca verde e o animal morto a terra e a pá o corpo nu e o lençol de Julho. E a Penélope, que ouve agora a música sugestiva do medo a bateria da renúncia o doce canto de um dia sereno sem bruscas mudanças de tempo e tom os complexos acordes de uma infinda gratidão por tudo o que não aconteceu, não se disse, não se diz, acena que não, não, não a outro amor não mais palavras e sussurros abraços e dentadinhas vozinhas na escuridão cheiros de corpo que arde à luz. A dor era o pretendente mais excelente e fechou-lhe a porta. Katerina Angheláki-Rooke, tradução inédita de Manuel Resende.