O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros. As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa, tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho. Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro, antes de se despedirem. As vezes, repartiam sofregamente a infância, postais antigos, o silêncio - nada aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha, à verdade que remexe entre as minhas mãos. Talvez os olhos estivessem apenas desatentos sobre o livro; talvez as histórias se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe de casa. Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém. Maria do Rosário Pedreira