Dias antigos
Lóri saiu do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e pensativos e, embora não tivesse sorrido, era como se o corpo todo acabasse de sair de um sorriso suave. E saíra melhor criatura do que entrara.
Havia experimentado alguma coisa que parecia redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo ficassem acentuados os estreitos limites dessa condição. E exactamente porque depois da graça a condição humana se revelava na sua pobreza implorante, aprendia-se a amar mais, a esperar mais. Passava-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis.
Havia dias que eram tão áridos e desérticos que ela daria anos de sua vida em troca de uns minutos de graça.
Clarice Lispector, in Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, ed. Relógio D'Água.
Publicado em 10 de Dezembro de 2005