Existe um rasto de silêncio pelas ruas desta cidade onde moro. O meu corpo tece horas já e nada se apaga como antes. Onde estou, o frio é incessante e às minhas mãos queimam-se fotografias como se o passado não existisse mais. De hoje em diante, irei apagar-me em cada dia, para que nada reste dentro de mim ou dentro da garrafa vazia. Por isso te vejo a desaparecer rapidamente, como um dente-de-leão ao vento da minha voz, ao agredir-te sem que te doa ou marque para sempre. E para que os dias passem, bebo-me de dentro das mãos. Como um vinho verde que me corre no corpo e assim a visão do mundo é mais carente - o frio que sinto é da cidade. Nada mais existe por aqui que me prenda ou que me faça ficar. Visto a mala para pensar na partida, carrego-me pela porta até ao jardim que se estende lá fora, sem luzsem sol nem calor. Os meus pés já não caminham porque não sabem. Porque todas as cartas me ensinaram que a maneira como se pisa um ladrilho é igual à de pisar um rosto mesmo que de tal não se goste. Por isso perco os sentidos nesta cidade sem polícia e sem refúgios - como se fosse eu o último a perder-me nas ruas labirínticas e planas onde o vento me espalha a memória como água em papel. Sérgio Xarepe