II Deixa que eu quebre tudo que tenho e que terei tudo o que é de todos e que só a mim pertence deixa-me quebrar o cavalo que me deste na noite do nosso primeiro encontro deixa-me partir a bola o cão o espaço deixa-me quebrar a minha casa e a minha cama a minha única cama não quero que me contem a aventura nem que me dêem almofadas não quero que me ofereçam sombras só por mim construídas e logo abandonadas nem sequer esquinas de ruas não quero a vida sei claramente que a não quero a não ser que ela esteja partida quebrada quebrada por mim e por ti e a minha infância essa dou-ta inteira muito longa e cruel deixa que dela me fique apenas essa crueldade e que nela só eu siga ignorando o que me deste e que martelo ou pedra eu continue partindo quebrando esfacelando dilacerando o teu corpo que já não está ao meu alcance deixa-me ser anatomicamente autêntico sem erro sangrando perdido para sempre Mário-Henrique Leiria