Claridade dada pelo tempo
III
Viver com a crueldade
da criança que
tira os olhos ao pássaro
um desconhecido
movendo-se constantemente
no deserto
em que cada pegada deixa
bem marcada na areia
a imagem
dessa outra existência
em que a morte e a memória
ainda nada significam
mais alto
muito mais alto talvez
que a claridade
do voo das aves que
partem para o desconhecido
o próprio corpo nada mais é
do que a sombra
bem simples por sinal
em que,
por erro nosso ou dos outros,
já não existe
a persistência do que
foi perdido
e as mãos
as mãos que sentimos
bem presassegurasaptas
essas
todos sabemos
que podem ainda cada vez mais
esmagar com cuidado
com extremo cuidado
dilacerar suavemente
nos olhos
está o amor
Mário-Henrique Leiria
Publicado em 25 de Março de 2006