Quatro horas da tarde. O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos. Tem febre. Arde. E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos. Segue por esta, por aquela rua sem pressa de chegar seja onde for. Pára. Continua. E olha a multidão, suavemente, com horror. Entra no café. Abre um livro fantástico, impossível. Mas não lê. Trabalha - numa música secreta, inaudível. Pede um cigarro. Fuma. Labaredas loucas saem-lhe da garganta. Da bruma espreita-o uma mulher nua, branca, branca. Fuma mais. Outra vez. E atira um braço decepado para a mesa. Não pensa no fim do mês. A noite é a sua única certeza. Sai de novo para o mundo. Fechada à chave a humanidade janta. Livre, vagabundo dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta. Sonâmbulo, magntfico segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado. Um luar terrífico vela o seu passo transtornado. Seis da madrugada. A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa. Defende-se à dentada da vida proletária, aristocrática, burguesa. Febre alta, violenta e dois olhos terríveis, extraordinários, belos, Fiel, atenta a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos. António José Forte