Fases (I)
No princípio, o verbo preenchia o lugar da encenação. Era um exercício quente e sobrerreal, inflamado, tornado excessivo e esquecido mal virava costas e a vida real começava. O modus serpenteava por entre os dias, declamava a insatisfação da alma, o desapontamento do corpo, a desilusão tornada protesto vestido de palavras. Resignação, nunca. Inconfidente, dizia, ante uma força que desconhecia, uma liberdade que tinha sugerido, confiante, e não controlava. Mas nada havia a temer, afinal -"A organização da personalidade, um certo número de mitos e metáforas, e a expressão dramática de tudo isso: eis uma excelente definição de literatura." (Pedro Mexia, in Um certo número de mitos e metáforas, DN 6ª, ed. 5 Maio 06).
Pó dos arquivos:
Domingo, Maio 25, 2003
O lugar da vontade
Non fu amore di altri e non il mio
non fu il rigore di cui ti vanti.
Devi alla cura dell'esistente
l'arida scelta dell'addio.
Gabriella Leto
Para além da liberdade de conteúdo, de que falei em (IN)dependências, outra das vantagens da comunicação através dos blogues é a total capacidade de gestão dos tempos de participação (ou de escolha do silêncio). Esta é uma autêntica benção, porque escrever a horas certas deve ser, presumo, uma incontornável maçada quando, simplesmente, não apetece escrever e se tem esse compromisso. Acresce, no meu caso, uma terceira margem de liberdade, porque o meu blogue não é lido se não por duas ou três pessoas que acharam graça às referências aqui usadas e que, por isso mesmo, já são para mim uma espécie de destinatários implícitos. Não estou cotada em bolsas, não sou colunável, não serei nunca juiz do supremo, nem empregada certa de partidos ou confrarias, e pago com gosto o reverso dessa liberdade (posso escrever o que quiser, aqui, em livros, em artigos, que, como outsider, serei sempre desconhecida e inelegível). Por isso, vejo com alguma curiosidade o modo como algumas pessoas se mostram julgando esconder-se, e manobram como se fosse possível, por obra e graça de algum sobrehumano poder, controlar sempre tudo (o seu grau de exposição, o dos outros, os factos, as ideias sobre os factos). Os hábitos de poder e a perversidade da tentação ditatatorial podem ser, na verdade, ensaiados na mais indiscutível aparência libertária.
Mas o lugar da vontade é inexpugnável. Nem que seja pelo recurso ao silêncio.
AmAtA
- Ana, 5/25/2003 06:30:48 PM
Publicado em 9 de Maio de 2006